segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O Condenado - Bernard Cornwell


Feliz 2011, meus queridos leitores e amigos do peito. Passei um bom tempo afastado por pura preguiça e falta de tempo para colocar as ideias em ordem e fazer uma resenha coesa, mas estou de volta, dessa vez com um dos autores mais cultuados pelos amantes de romances históricos cheios de guerras, sangue, sexo e lutas por poder: Bernard Cornwell, autor de sagas grandiosas como ‘As Crônicas Saxônicas’ e ‘As Aventuras de Sharpe’.

Dono de um texto limpo e de um estilo que o firma como uma das referências no que diz respeito ao romance histórico, Bernard Cornwell se distancia um pouco de espadas, flechas e castelos em seu romance ‘O Condenado’. Ambientado em uma Inglaterra cinzenta do século XIX, a trama gira em torno do personagem Rider Sandman, um amante de críquete e antigo capitão do exército, que é convocado para investigar as circunstâncias do assassinato de uma condessa por um pintor efeminado. Ele precisa descobrir se o homem (ou ‘a fada’, forma como o suposto assassino é retratado por boa parte dos personagens) realmente estuprou a condessa e depois a matou.

Esse foi o primeiro livro de Bernard Cornwell que li, mas já sabia que ele era uma exceção: eu não veria batalhas épicas nem sangue espirrando páginas afora, mas sim uma trama policial bem amarrada – quem sabe até mesmo requintada – que se ambientava em um cenário diferente do medievalismo de boa parte dos romances do autor britânico. Esse foi um dos fatores que me empolgou a ler o livro: logo de primeira, iria dar de cara com uma faceta pouco conhecida de Cornwell e leria um de seus livros mais diferentes. Não me pareceu um mau negócio.

O começo do livro é empolgante, não há como negar isso. A primeira sequência, que descreve minuciosamente o processo de enforcamento de um personagem que não possui importância nenhuma a trama, é um prólogo apropriadíssimo: sentimos o cheiro pútrido dos porões, nos afligimos pelas súplicas de uma mulher que jura ser inocente e nos enraivecemos pela atitude de descaso e até mesmo divertimento da plebe, que mesmo tendo tão pouco consegue tripudiar de quem tem ainda menos. Tudo muito bonitinho, certinho e amarradinho. Mas então o livro começa.

Não é um livro difícil de ler. Cornwell tem uma escrita leve e fluida, com pouco uso de adjetivos e poucas descrições. Conseguimos nos transportar para a Inglaterra do século XIX sem nos preocupar muito com o cenário, mas sim com a história. Já falei em outro post que gosto quando a história é maior do que a História, então não irei me demorar muito nesse ponto. Vamos a Rider Sandman.

Capitão aposentado depois da Batalha de Waterloo, a construção de Sandman pareceu a mim a joia rara da Inglaterra, o homem bom, justo, incorruptível e sincero, o bonzinho da novela das seis que está lá para defender os fracos e oprimidos para ter como retribuição apenas o sorriso amarelado e a satisfação de ter feito o que é certo. Muito preto no branco, na minha humilde opinião. Sandman destoa de um cenário cheio de escalas de cinza e de personagens que poderiam ter tudo para ser cínicos e fazer escolhas que poderiam beneficiá-los. Ele é bom por ser bom, indefectível porque acredita na justiça. Mesmo com a justificativa dada no livro – o pai dele era um devedor e Sandman não queria continuar com aquela imagem estigmatizada – acho que o personagem poderia ser um pouco mais... humano.

Já em contraponto, temos Sally Hood (o sobrenome não é coincidência. Ela É irmã de Robin Hood – sim, no século XIX), uma garota que se vira como pode para ganhar o seu dinheiro da forma que acha mais digna – como, por exemplo, posar nua para servir de modelo de peitos para os pintores das condessas – e que é, para mim, a diversão de todo o livro. Boca suja, cheia de opiniões particulares e algumas vezes hilárias, ela também cai naquele estereótipo de ‘mulher que não está nem aí pra sociedade inglesa conservadora’, mas consegue se sair melhor do que Sandman. Ponto positivo.

A trama em si não traz muita empolgação: os personagens secundários – suspeitos do assassinato da condessa – são construídos de forma bastante rápida e insípida. Não consegui sentir simpatia por nenhum deles e achei a justificativa do assassino, ao final da história, a saída mais simples e fácil de ser executada. Quando enfim descobri o que aconteceu, simplesmente virei a página e continuei lendo, sem me emocionar nem um bocadinho.

[OK, SE VOCÊ NÃO QUER OUVIR SPOILERS, PULE PARA O FIM DO TEXTO]

O fim do livro é de prender o fôlego. Falo do finzinho mesmo, daquela parte em que já descobrimos quem é o assassino, mas Sandman ainda tem que correr para libertar o pintor-fada e acusar apropriadamente quem deve ser enforcado no lugar dele. É aquele clima de ‘vambora, Sandman! Cooooorre’ que me empolgou bastante. Ele está a um zilhão de quilômetros de distância e não dá conta de chegar com o cavalo a tempo. O texto vai e volta entre a corrida de Sandman e o pintor sendo executado. O cadafalso abre e o pintor começa a se enforcar, pouco a pouco perdendo a vida.

Parece que NÃO VAI dar tempo, que o livro vai acabar com o cara errado sendo enforcado – não seria um mau final –, mas eis que uma das cenas mais diarreia mental que eu já vi na minha vida tem início: o ROBIN HOOD aparece para salvar o dia. Vem entre a plebe correndo enquanto Sandman tenta abrir caminho para entregar a confissão de uma testemunha ao juiz, e simplesmente corta a corda que prende o pescoço do pintor e salva o dia.

Ok, eu já aturei a liberdade poética de usar o Robin Hood no século XIX, mas agora querer que eu aceite esse Deus ex machina cagado? É abusar demais da inteligência do leitor, tio Cornwell!

[/PRONTO, JÁ ROLOU O DESABAFO, PODEM LER A PARTIR DAQUI]

O que fica de ‘O Condenado’ é um gostinho de que o livro poderia ter sido mais bem executado. Os personagens poderiam ter sido mais bem explorados e cativar um pouco mais o leitor, sobretudo os secundários. Alguma motivação poderia ser dada para Sandman [MAIS UM SPOILERZINHO] pô, o cara recusa um suborno de sei lá quantas mil libras que podem acabar com todos os problemas dele a troco da justiça às últimas consequências [/ACABOU O SPOILERZINHO] e a trama podia ter um final um pouco mais inteligente.

É isso aí, espero que tenham gostado. Até a próxima. E comentem :)

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A Corrente - Estevão Ribeiro

Houve um tempo em que correntes eram uma coisa normal na internet. Volta e meia, você abria a sua caixa de spam ou seu scrapbook no Orkut e lá estava a malfadada mensagem: amores eternos, amizades duradouras, salvação da alma, salvação da humanidade, fim do aquecimento global, maldições, ad infinitum. Era praticamente impossível não ser pego por uma dessas correntes que te obrigava a passar a mensagem para um número determinado de pessoas na esperança de que todos os seus desejos fossem realizados.

Valendo-se dessas mensagens um tanto quanto incômodas e subestimadas por quem as recebe, Estevão Ribeiro compõe o seu novo thriller, “A Corrente” (editora Draco, 184 págs). Na história, somos apresentados a Roberto, um hacker que, após receber (mais) uma corrente na sua caixa de spam, decide gastar o seu tempo livre escolhendo para quem repassá-la. O que ele sequer desconfia é que essa não é uma corrente normal. Nela, uma menina de dezesseis anos chamada Bruna diz que consequências muito graves aguardam Roberto e qualquer um que se negar a enviar a corrente para sete pessoas. Ele obviamente não leva a sério (quem levaria?), mas acha legal passar a corrente só para perturbar amigos, conhecidos, desafetos e até mesmo uma ex-namorada.

Logo, somos apresentados à vida de cada uma dessas sete pessoas para as quais Roberto passa a mensagem. Uma grande jogada do autor foi ter conseguido dar a profundidade necessária para cada um dos personagens que aparece na narrativa, mesmo que não gaste muito tempo com isso. Somos apresentados a um dançarino narcisista, uma blogueira descendente de orientais que se empolga com cada novo comentário em seu blog, um entusiasta em música que turbina o seu carro com o melhor equipamento de som da cidade, a atendente de uma locadora cheia de sonhos não realizados, enfim, toda uma gama de personagens e sensações que, mesmo sendo tão diferentes, conseguem ser encaixados sem perder a sua riqueza ou sua relevância necessária.

O objetivo do livro é divertir, e nisso ele cumpre muito bem o seu papel. Aos amantes de filmes gore cheios de tripas e vísceras voando câmera afora e sujando a lente com respingos de sangue, o livro é uma ótima pedida. Fraturas expostas, carbonizações e objetos perfurantes são apenas alguns dos apetrechos utilizados por Estevão para a composição de suas cenas de morte ao melhor estilo ‘Premonição’ (e sim, eu adoro esse filme – o primeiro).

Uma coisa, porém, não me agradou muito na narrativa: o seu estilo, narrado em terceira pessoa do presente, em alguns momentos me pareceu um pouco frio demais e não conseguiu me envolver, principalmente nas cenas em que Roberto é o centro das atenções. Parece mais uma descrição subsequente de fatos, sem explorar as sensações do personagem. No entanto, isso não prejudica o livro como um todo: essa frieza às vezes é positiva, dando um clima de solidão e aquela sensação de frio na espinha, principalmente nas cenas em que Bruna aparece e naquelas em que os personagens secundários encontram o seu destino trágico nas mãos dela. É aquele esquema de prejudicar certas partes para o benefício de outras.

Antes de fechar essa resenha, tenho que destacar um parágrafo especial para a construção da personagem Bruna. Alternadamente cálida e assustadora, o fantasma da menininha negra rodeada por pombos consegue o que dificilmente se vê por aí nos livros de terror: assustar. As cenas em que Estevão descreve a frieza nos olhos dela ou todo o ódio que a menina nutre dentro de si dão uma maior profundidade a ela. Para mim, Bruna é a melhor personagem do livro (e sim, eu tenho carinho e empatia por vilões, ainda mais após descobrir as suas motivações e objetivos).

“A Corrente” é isso: um romance que você lê rápido, se empolga com as cenas de morte e se intriga até descobrir o que raios todos os acontecimentos têm a ver com uma menina que mata qualquer um que se negue a perpetuar seu terror cibernético. Uma história que te prende até as últimas páginas e revelações, daquelas que você não vai conseguir largar pela metade. E então, o que você está esperando?

PS1) Você nunca olhará para sua caixa de spam com os mesmos olhos;
PS2) Você nunca olhará para os pombos na rua com os mesmos olhos;
PS3) Vai logo ler esse livro!

Até a próxima! 

domingo, 5 de dezembro de 2010

O Pacto - Joe Hill

O demônio sempre é pintado como um ser astuto, calculista e despreocupado com as emoções humanas, pronto para te sacanear no momento em que você firmar algum acordo com ele. Geralmente, é um ser que se apresenta com a coloração de pele avermelhada, cavanhaque enrolado no queixo, um tridente em mãos e cheiro de enxofre ao seu redor.

E, é claro, os chifres.

Em seu segundo romance, “O Pacto” (péssima tradução, por sinal, de um livro originalmente entitulado “Horns” – ‘chifres’ ou ‘cornos’, em uma tradução livre), Joe Hill nos apresenta a Ignatius Perrish, um cara que sempre tentou viver sua vida dentro das regras. Tudo estava muito bem, obrigado, até o dia em que a namorada de Ig, Merrin, é estuprada e assassinada e ele passa a ser considerado o principal suspeito do crime. Por ser de uma família abastada e contando com a ajuda do irmão – um famoso apresentador de TV –, Ig consegue se livrar das acusações da polícia, mas não da desconfiança de todos aqueles que o cercam.

Um ano se passa e Ig resolve comemorar o aniversário de morte de Merrin bebendo como um gambá e indo até o pequeno memorial criado no local em que ela morreu. Depois de mijar sobre a imagem de uma santa e fazer mais algumas coisas das quais não se lembra, Ig acorda no dia seguinte com uma dor de cabeça infernal e o que parece ser um par de chifres em sua testa. Ao olhar-se no espelho, Ig se intriga: como diabos aqueles chifres foram parar ali?

Toda a dúvida parece ficar em segundo plano quando o rapaz descobre para que servem aqueles chifres: quando as pessoas estão sob a influência dos cornos, deixam todas as suas inibições de lado e começam a contar detalhes sórdidos de suas vidas, bem como seus desejos mais íntimos e suas facetas mais surpreendentes, como se estivessem conversando com um demônio particular e pedindo orientação sobre qual seria a forma mais correta de agir. Quando vemos um personagem sofrer esse tipo de influência, que se alterna entre um estado momentâneo de hipnose e um momento de entrega total de sua natureza humana mais crua e visceral, não podemos deixar de nos identificar com toda a sinceridade dos discursos, toda a crueldade implícita nas palavras, no ser humano livre de suas amarras sociais e de sua autocensura, um pouco como nós mesmos e todos aqueles pré-conceitos que parecem já vir impregnados em nossa natureza humana. Incrível.

O texto de Joe Hill se alterna entre diversos pontos de vista: temos a história presente de Ig, mostrando a evolução gradual de seus chifres, dos poderes que eles carregam e a forma com a qual ele se utiliza deles para ajudá-lo a desvendar o mistério que cerca o assassinato de Merrin; o ponto de vista do passado, mostrando como Ig e Merrin se conheceram e como Ig veio a se tornar melhor amigo de Lee Torneau, um garoto com um sério problema para achar graça em piadas ou fazê-las usando a entonação correta, que mais tarde acaba por se tornar um importante político local. Todo o texto casa muito bem com o desenrolar da história: Joe Hill consegue manter o suspense até os últimos momentos, fazendo com que seguremos o fôlego enquanto lemos páginas e mais páginas de ação acontecendo, mistérios sendo desvendados e cenas belíssimas que parecem passar por nossos olhos como um filme muito bem executado.

Tentei encontrar algum defeito em ‘O Pacto’, mas além da inexistência desse tal pacto – é, não tem pacto nenhum -, não achei nada que pudesse apontar como defeito de narrativa (tem uns errinhos de digitação, mas não são relevantes). Comparando este livro com o primeiro do autor, ‘A Estrada da Noite’, percebemos com clareza o amadurecimento de Joe Hill como autor e construtor de personagens. Ignatius Perrish é um ser complexo, em busca de justiça por um crime que não cometeu, uma criatura inocente que demora para perceber que as pessoas não são exatamente o que parecem a partir do momento em que contam o que realmente pensam sobre suas vidas e quais são os seus verdadeiros desejos.

O release do livro diz que, além de divertir, o romance nos leva a refletir sobre nossos conceitos maniqueístas de bem e mal, Deus e demônio, certo e errado, etc. E ele cumpre o que promete. Ig vai se transformando, pouco a pouco, na personificação do demônio – com direito a tridente, cobras rastejando ao seu redor e tudo mais – mas, por incrível que pareça, não é o vilão da história. Seus poderes ajudam-no a descobrir verdades inconvenientes e segredos enterrados nas profundezas da consciência, fazendo-nos pensar que o rapaz – o demônio, em carne, ossos e chifres – é o mais justo, inocente e menos pecador dentre os humanos. Um paradoxo, no mínimo.

O segundo livro de Joe Hill o consolida como um dos melhores autores de terror na literatura atual. O cara é bom, não há dúvidas disso. E seu segundo romance pode ser resumido em uma indagação que Ignatius Perrish se faz durante uma das passagens mais sombrias e arrepiantes da história: se Deus não aceita os pecadores no paraíso e a função do demônio é a de punir tais pecadores, então os dois devem estar jogando no mesmo time. Faz ou não faz sentido? É algo a se pensar.

sábado, 27 de novembro de 2010

O Centésimo em Roma - Max Mallmann


Tenho para mim que o estilo romance histórico é o que demanda mais trabalho para um autor, não só na já tradicional pesquisa minuciosa para reproduzir o modo de vida de uma época remota e muito distante, mas também para tornar a história autônoma, fazer com que ela pulse vivacidade pelos personagens, suas ações e a atmosfera que os envolve. Do contrário, tudo se transforma em uma aula chata e maçante de História.

É nesse ponto que o autor sul-rio-grandense-carioca Max Mallmann consegue se destacar: é notável – e admirável – toda a pesquisa que envolve o conteúdo do livro ‘O Centésimo em Roma’ (editora Rocco, 424 págs). Sentimos o cheiro das vielas romanas e a textura das togas de seda tão desejadas pelos plebeus, assim como rimos e choramos das tragédias e desventuras pessoais de cada um dos personagens sem que a História (com H maiúsculo) seja a protagonista do romance, mas apenas sua assistente pessoal. Lendo a parte final do livro, na qual o autor descreve os modos e os métodos de que se utilizou para a pesquisa histórica de seu romance, não podemos duvidar da paciência, força de vontade e curiosidade de Max Mallmann.

Vamos ao romance: de volta de uma campanha na Germânia que lhe conferiu a alcunha de ‘Carniceiro de Bonna’ (rumores afirmam que ele chacinou toda uma cidade repleta de crianças, mulheres e idosos sem piedade ou remorso), o centurião Desiderius Dolens se vê em uma Roma decadente, poluída de governantes corruptos e moscas insistentes por voar em rostos alheios. Ambicioso, Dolens tem a pretensão de ascender socialmente para se tornar um cavaleiro da guarda real, mas suas dívidas e sua falta de contatos proíbe que ele consiga atingir seus objetivos. Ao invés disso, ele é designado para comandar uma das coortes urbanas (um tipo de guarda urbana), fatia mais baixa e decadente dos postos militares.

O assassinato de um senador leva Dolens a investigar um grupo de religiosos fanáticos que têm como figura princial um homem preso em uma cruz (a.k.a. cristãos), principais suspeitos pelo crime. E, durante essa investigação, Dolens vê desfilar a sua frente um grupo de personagens que podem ajudá-lo ou atrapalhá-lo em sua tão sonhada ascensão. O centurião não está interessado em resolver o mistério, mesmo com as insistentes investidas de Nepos, filho do senador assassinado e braço direito de Dolens.

Apesar da orelha do livro tratar o assassinato como tema principal do livro, a trama de ‘O Centésimo em Roma’ não se concentra na resolução do crime do senador. O romance prefere mostrar o cotidiano de Dolens e dos personagens que o envolve, bem como suas tramas políticas, suas decisões insanas e seus exageros homéricos (sim, eu me permiti esse trocadilho infame).

Os personagens são, de longe, a parte mais interessante da história: constroem-se aos poucos, apesar de serem muitos. Somos apresentados à escravos, imperadores, cachorros mancos, pigmeus e bois torturados com a mesma paixão e bom humor. Apesar de Dolens ser o personagem principal, não há como não ser cativado pelas ações da curandeira Eutrópia, da escrava Olívia ou do pobre coitado Nepos, sempre levado a limpar latrinas.

A dinâmica do livro também é interessante: mistura dois tipos de texto, sendo o primeiro o do romance tradicional, com diálogos sobre diálogos e descrições sobre o que acontece na hora em que a história é contada; e o segundo com um estilo mais formal e histórico, um tipo de biografia histórica e fictícia que conta a História de Desiderius Dolens sob a perspectiva de Nepos. A princípio, achei a narrativa um pouco maçante e demorada, mas foi questão de tempo até que me adaptasse a ela.

Outro fator que não poderia deixar de lado é o humor que a história traz impregnada em cada uma de suas páginas. Há momentos em que você deve se segurar para não soltar uma gargalhada - principalmente se estiver lendo o livro em transportes coletivos. Cenas como a de Dolens presenciando um ritual cristão ou mandando o pobre coitado do Nepos limpar latrinas (mais uma vez!) são simplesmente imperdíveis.

A miscelânia entre personagens e situações fictícias e reais é de fazer o queixo cair. Sou um conhecedor tão bom de Roma quanto sou de entropia, por isso fiquei realmente surpreso quando percebi que todos os quatro imperadores que desfilam por Roma durante o romance realmente existiram e que Max Mallmann tentou retratá-los da forma mais fiel que as fontes históricas os descreviam – um era mais louco que o outro, é impressionante. Essa mescla entre ficção e realidade e essa confusão de não ter certeza absoluta sobre o que é história e o que é História deixa as coisas ainda mais interessantes.

Enfim, creio que não preciso de mais recomendações positivas para que você corra atrás desse livro e o leia o quanto antes. O que está esperando, que Roma pegue fogo de novo? (Oh, não, mais trocadilhos imbecis?! Desculpe, eu juro que é o último).

Tenham uma excelente leitura e vivam um pouquinho do século I. Não tenho dúvidas de que será uma ótima experiência.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A Passagem - Justin Cronin

De uns tempos para cá, o mercado editorial de ficção especulativa (que engloba fantasia, ficção científica, terror e outras ótimas bizarrices) vêm crescendo de uma forma assustadoramente boa. Grande parte desses lançamentos tem um público-alvo específico: geralmente jovens, dos seus doze aos dezesseis anos, que ainda estão se acostumando com a literatura e querem ver coisas que despertem o seu interesse imediato. Aí entram vampiros que se apaixonam, manuais de sobrevivência para se adequar a um mundo de zumbis, escolas de bruxos, anjos versus demônios, etc, etc e etc.

No meio de todos esses livros com adolescentes cheias de amor pra dar e hormônios a flor da pele, talvez o livro ‘A Passagem’ tenha passado despercebido. Não sei exatamente por qual motivo não se falou muito sobre esse lançamento. Talvez seja sua capa, que mais parece uma continuação do livro ‘A Cabana’ do que qualquer outra coisa; ou quem sabe a sua tímida divulgação por parte da editora Sextante; ou ainda por não se adequar exatamente a esse mercado adolescente que já mencionei.

O livro tem tudo para fazer sucesso: um enredo interessante, comentários positivos de autores consagrados – como a recomendação do mestre do terror Stephen King logo na quarta capa do livro – e um texto fluido e cativante logo nas primeiras páginas.

Vamos a ele: “A Passagem” (Editora Sextante, 2010, 815p.) se passa em um universo pós-apocalíptico, onde um grupo de sobreviventes tenta conviver em harmonia com um mundo hostil e infestado de vampiros.

É isso o que diz a sinopse, mas essa é apenas a segunda parte dessa história. O livro, na verdade, começa de modo tímido e suave, desconstruindo um pouco a ação e a velocidade que a sinopse promete. Logo nas primeiras páginas, somos apresentados à garotinha Amy, a Garota de Lugar Nenhum, Aquela Que Surgiu, A Primeira, Última e Única, a que viveu mil anos (e não se preocupem que nada disso é spoiler, pois está logo no primeiro parágrafo do livro). Amy é uma menina rodeada de mistérios que logo se vê transformada na décima terceira e última cobaia de um projeto governamental denominado Projeto Noé, que consiste em analisar o comportamento de um vírus que, a princípio, trataria doenças e serviria como ‘fonte da juventude’ para a humanidade. Para esse propósito, doze criminosos no corredor da morte (e Amy) são destacados para servirem de cobaias humanas. O vírus dá longevidade anormal, resistência a doenças, força e inteligência acima da média, mas possui efeitos colaterais, tais como hipersensibilidade a luz e um único ponto fraco localizado logo abaixo do esterno.

Aí acontece o que todo mundo espera que aconteça: dá merda. As cobaias escapam e se espalham pelo globo, fazendo aquilo que mais gostam: caçar e infectar outros humanos. Pouco a pouco, Amy, na companhia do agente do FBI Wolgast, vê o mundo se transformar em um lugar perigoso e hostil à sobrevivência humana.

Só então chegamos à segunda parte do livro (e lá se vão umas 300 ou 400 páginas): passam-se uma centena de anos e somos apresentados a uma colônia humana perdida no meio do nada, protegida por muros e eletricidade precária, prontas a atirar em qualquer vampiro que passe de certo ponto. Ou, como eles mesmo dizem quando se referem às criaturas, ‘virais’, ‘saltadores’ ou ‘fumaças’. As denominações são variadas.

Mas paro de falar no enredo por aqui para não estragar possíveis surpresas. Prefiro me ater ao que realmente interessa: afinal, ‘A Passagem’ é um livro de qualidade? Merece ser lido? É original?

Como os últimos serão os primeiros, vamos tratar primeiro da originalidade da trama: aos meus olhos pouco treinados, a sinopse me pareceu uma cópia em xilogravura de Resident Evil: a Umbrella Corporation o governo faz um experimento com um T-vírus vírus, ele foge ao controle e cria uma horda de zumbis vampiros sanguinários e sedentos por alimento. Uma garota chamada Alice Amy, no entanto, mantém todas as vantagens e poucas desvantagens de ser infectada.

(o parágrafo acima foi feito com base nos filmes pela total inabilidade deste que vos fala em jogar algum jogo de zumbis até o fim)

Apesar da falta de originalidade evidente, o livro, como já comentei, possui uma escrita agradável e fácil, daquelas que o leitor pega e só larga quando os olhos não aguentam mais ler. E grande parte desse cativo se dá por conta dos personagens: eles sim são cuidadosamente construídos e muito bem guiados pelo autor. Apesar de alguns servirem de figuração e serem mero gado de saltadores, os principais estão ali, com seus dramas e suas dúvidas, suas imersões e suas reflexões sobre o futuro, seus medos com o que está do outro lado do muro e de até quando conseguirão sobreviver sob aquelas condições precárias.

Se você está procurando um livro que mude a sua vida e seja uma primazia de originalidade, talvez “A Passagem” te decepcione um pouco. Mas se você quer ler para se distrair, se empolgar com uns tiros e uns bons sustos literários, vale muito a pena desembolsar uma graninha por ele.

P.S. Aos cinéfilos de plantão, fiquem ligados na cena em que o grupo assiste ao filme ‘Drácula’, de Ted Browning. Por ser o único filme disponível no acervo, o grupo que o assiste repete cada fala de cor, de começo rindo e levando pouco a sério, mas pouco a pouco imergindo no filme até que todos o estejam contemplando de forma total e absoluta. Uma das melhores cenas do livro, certamente.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A Culpa é do Fidel!

Bem, sei que estou a um tempo considerável sem postar nada por aqui. Eu devo desculpas aos meus dois leitores e meio e não tenho nenhuma justificativa que não seja preguiça. Mas devo jurar, senão a mim mesmo, pelo menos a vocês que me leem, que pretendo deixar as coisas aqui mais... periódicas. Estou até bolando uma listinha de quando escrever e o que escrever, mas não vou colocá-la agora por ainda estar em fase de teste.

Desculpas colocadas, vamos ao que interessa. Como todos já devem ter percebido – ou não –, o meu foco nesse blog tem sido majoritariamente sobre os livros. Mas não sei se estou conseguindo fazer um bom trabalho: dependendo do meu humor e do estado cósmico do universo, demoro entre três dias e três meses para conseguir terminar um livro, e isso gera uma lacuna gigantesca entre os posts. Tem horas que o lugar parece literalmente largado às traças. Não é bem assim. Apesar de ser um apaixonado por livros, não devoto minha vida inteiramente a eles. Também vejo filmes, leio quadrinhos, jogo videogame, assisto séries, ouço música, enfim... faço tudo o que uma pessoa normal faz (será?).

Então pensei: ‘já que eu faço tanta coisa além de ler, porque não trazer tudo para cá?’ E hoje pretendo começar a mudar um pouco as coisas por aqui. A começar pelo filme que vi dia desses e decidi que seria uma ótima indicação: ‘A Culpa é do Fidel!’

O que mais me chamou a atenção no filme foi o título bastante sugestivo. Antes de ver qualquer comentário ou sinopse, fiquei com o pé atrás da orelha. Afinal, o que era culpa do Fidel? O socialismo, a morte de Che, os charutos cubanos, a Terceira Guerra Mundial? Curioso, mas ainda assim preguiçoso, esqueci do filme durante um tempo, mas em uma noite absolutamente entediante, decidi que seria uma boa ideia vê-lo.

Não me arrependi. O filme (de origem francesa, a propósito, e não latina, como pode parecer a primeira vista) conta a história de Anna de la Mesa, uma menininha de nove anos que tem tudo o que uma família de classe média dos anos setenta tem: uma casa com um jardim, aulas em um colégio católico, um irmãozinho e uma empregada cubana que tem um ódio mortal de comunistas. Nesse quadro um tanto típico e familiar, Anna tenta se destacar sendo a primeira aluna da classe, a nadadora mais aplicada do time e a menina mais questionadora do mundo. A analogia pode não ser muito adequada, mas não pude deixar de pensar na Mafalda em cenas específicas do filme.

Tudo ia muito bem na vida de Anna até que, um dia, a tia e a prima da menina chegam refugiadas da Espanha, após o assassinato do tio, um militante contra a ditadura de Franco. A partir daí, tudo vira de cabeça para baixo: os pais de Anna, interpretados por Stefano Accorsi e Julie Depardieu, se engajam na causa socialista, obrigando a menininha a rever todos os conceitos sociais com os quais aprendeu a conviver desde que nasceu.

A graça do filme está no tom ingênuo e aborrecido com o qual Anna vê tudo a sua volta mudar: de uma hora para outra, eles se mudam da grande casa para um pequeno apartamento, sempre cheio de homens barbudos e descabelados; Anna é obrigada por seus pais a sair das aulas de religião e não pode nem mesmo ler os gibis do Mickey, considerado por seu pai como “um símbolo fascista de poder”.

Adaptado do romance Tutta Colpa di Fidel, da jornalista italiana Domitilla Calamai, o filme tem momentos engraçadíssimos, como quando a câmera focaliza-se sobre a barba do pai de Anna e ela enfim percebe que ele se tornou um comunista, ou quando uma amiga de Anna, convidada a dormir no pequeno apartamento da menina, vislumbra o pai da garota emburrada trocar de roupa e, pela primeira vez, vê um pênis. Tudo com uma ingenuidade absurdamente verossímil e agradável.

Essa dicotomia surpreendente é o que mais agrada: enquanto todos, nos idos de 1968, queriam as revoluções sociais e as revoluções econômicas, uma menininha aborrecida não vê sentido nas coisas que acontecem, questionando tudo o que lhe cerca. Um filme curto mas divertido, ‘A Culpa é do Fidel!’ é o filme ideal para que os de sangue revolucionário tenham uma visão diferente do mundo, mesmo que sob o foco de uma garota de nove anos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Não tive coragem de não postar

Tá ok gente, eu sei que vocês são gente que provavelmente não acredita nessas coisas. Mas eu acredito. Hoje, ao abrir a minha caixa de e-mail, encontrei isso. Eu sei que não é muito a proposta do blog, mas não tive como deixar de postar isso aqui. Aí vai:

“Olá,
Meu nome é Bruna e tenho dezesseis anos. Gosto de trocar mensagens, conhecer pessoas pela Internet e adorei seu blog. Por isso, escolhi você para ser meu novo amigo. Eu acredito que vamos nos dar muito bem.
E para isso acontecer, poste esse email no seu blog. Torça para ter sete comentários, ou então você terá MUITO azar.
Se não postar? Vai ser muito pior. Mas você não faria isso.
Você não recusaria o pedido de uma morta, né?”
Isso pode parecer um pouco estúpido, eu sei. Mas depois de ver o vídeo abaixo, vão entender porque eu tive que fazer isso.

E por favor, COMENTEM, não quero que nada disso me atormente!