sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Meu problema com a Hard SF - e o worldbuilding também...

Já estava pensando em escrever sobre esse tema há algum tempo e a oportunidade nunca me pareceu tão exata quanto agora, que peguei um livro do Poul Anderson para ler. Aos que não sabem, ele, junto com Isaac Asimov, Arthur C. Clarke, Stanislaw Lem e James P. Hogan, entre outros, vêm de uma época chamada ‘era de ouro da ficção científica’, onde a produção desse gênero era prolífica e geralmente se desdobrava para muito além de um romance ou um conto. O livro que peguei para ler, contudo, não é classificado como Hard SF: é ‘Órion Renascerá’, de 1983. Se eu pudesse classificá-lo de alguma forma bem deturpada, diria que é uma space opera pós-apocalíptica com uns traços medievais e um ranço de Hard SF. Pois é, não é uma classificação fácil.

Capa de 'Órion Renascerá' (1983)
O livro faz parte da série Maurai – e talvez esse seja o primeiro problema. É dito que se trata de um romance que não necessita da leitura de obras anteriores para ser compreendido e, bem, coloco um pero no mucho imenso aí: logo no início do romance (as primeiras 70 páginas, logo as essenciais para cativar o leitor), somos bombardeados com uma sequência indigesta de informações que simplesmente não consegui absorver: são nomes de raças, línguas, religiões, crenças e lugares que até conseguimos pegar a referência – línguas como francey (francês), lugares como Italya (dãã) e continentes como Uropa (dããã²) –, mas não conseguimos acompanhar pela velocidade com que são descritos. Talvez o fato de eu estar lendo apenas no caminho para o trabalho seja um problema e a culpa seja toda da minha dislexia literária, mas não creio que Poul Anderson esteja isento de culpa. O worldbuilding, no caso de ‘Órion Renascerá’, acaba funcionando de maneira adversa e prejudicial ao romance.

O meu problema com o worldbuilding não é ele o fato dele existir – até pela importância óbvia em alta fantasia e afins –, mas sim a forma com a qual é utilizado. Tudo bem: você, como autor, pode querer se divertir descrevendo cada raça, lenda e sulco na casca de árvore de suas tundras, mas qual é a aplicação prática de todo esse trabalho? Como leitor, me sinto incomodado quando um autor começa a descrever o cenário no qual dedicou tanto tempo e atenção, mas acaba esquecendo o principal: a ação. Contemplar páginas e mais páginas sobre os motivos do castelo X ter sido construído sobre aquele terreno, sem que isso tenha nenhuma importância para a narrativa ou a vida dos protagonistas, é algo que eu só posso descrever como masturbação intelectual. E isso não é legal.

A mesma descrição se aplica à ficção científica hard, mas isso é muito mais um problema pessoal do que qualquer outra coisa. Ok, a base da ficção científica hard é ser científica, com descrições pormenorizadas de máquinas e aparatos que pseudo-poderiam existir. Mas, para ser sincero, isso cansa. É o tipo de texto que não me atrai e que não me chama a atenção. É claro que ter verossimilhança é legal, mas gastar cinco laudas para descrever como funciona uma caneta-tinteiro não é algo que eu me proponha a ler.

Deuses, pra que tantas descrições?!
Creio que a função do estilo ficção científica seja a de extrapolar os limites da realidade e buscar alternativas que nos façam refletir sobre nossas próprias vidas. Seja em outros planetas ou outros tempos, creio que a metáfora seja a grande sacada da FC: a de poder mostrar que estamos indo em direção ao caminho errado e pensar em como podemos reverter isso. Acho que, para esse propósito, descrever um universo e esquecer-se da vida dos personagens que transitam nele se torna, no mínimo, contrassensual.

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