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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A Corrente - Estevão Ribeiro

Houve um tempo em que correntes eram uma coisa normal na internet. Volta e meia, você abria a sua caixa de spam ou seu scrapbook no Orkut e lá estava a malfadada mensagem: amores eternos, amizades duradouras, salvação da alma, salvação da humanidade, fim do aquecimento global, maldições, ad infinitum. Era praticamente impossível não ser pego por uma dessas correntes que te obrigava a passar a mensagem para um número determinado de pessoas na esperança de que todos os seus desejos fossem realizados.

Valendo-se dessas mensagens um tanto quanto incômodas e subestimadas por quem as recebe, Estevão Ribeiro compõe o seu novo thriller, “A Corrente” (editora Draco, 184 págs). Na história, somos apresentados a Roberto, um hacker que, após receber (mais) uma corrente na sua caixa de spam, decide gastar o seu tempo livre escolhendo para quem repassá-la. O que ele sequer desconfia é que essa não é uma corrente normal. Nela, uma menina de dezesseis anos chamada Bruna diz que consequências muito graves aguardam Roberto e qualquer um que se negar a enviar a corrente para sete pessoas. Ele obviamente não leva a sério (quem levaria?), mas acha legal passar a corrente só para perturbar amigos, conhecidos, desafetos e até mesmo uma ex-namorada.

Logo, somos apresentados à vida de cada uma dessas sete pessoas para as quais Roberto passa a mensagem. Uma grande jogada do autor foi ter conseguido dar a profundidade necessária para cada um dos personagens que aparece na narrativa, mesmo que não gaste muito tempo com isso. Somos apresentados a um dançarino narcisista, uma blogueira descendente de orientais que se empolga com cada novo comentário em seu blog, um entusiasta em música que turbina o seu carro com o melhor equipamento de som da cidade, a atendente de uma locadora cheia de sonhos não realizados, enfim, toda uma gama de personagens e sensações que, mesmo sendo tão diferentes, conseguem ser encaixados sem perder a sua riqueza ou sua relevância necessária.

O objetivo do livro é divertir, e nisso ele cumpre muito bem o seu papel. Aos amantes de filmes gore cheios de tripas e vísceras voando câmera afora e sujando a lente com respingos de sangue, o livro é uma ótima pedida. Fraturas expostas, carbonizações e objetos perfurantes são apenas alguns dos apetrechos utilizados por Estevão para a composição de suas cenas de morte ao melhor estilo ‘Premonição’ (e sim, eu adoro esse filme – o primeiro).

Uma coisa, porém, não me agradou muito na narrativa: o seu estilo, narrado em terceira pessoa do presente, em alguns momentos me pareceu um pouco frio demais e não conseguiu me envolver, principalmente nas cenas em que Roberto é o centro das atenções. Parece mais uma descrição subsequente de fatos, sem explorar as sensações do personagem. No entanto, isso não prejudica o livro como um todo: essa frieza às vezes é positiva, dando um clima de solidão e aquela sensação de frio na espinha, principalmente nas cenas em que Bruna aparece e naquelas em que os personagens secundários encontram o seu destino trágico nas mãos dela. É aquele esquema de prejudicar certas partes para o benefício de outras.

Antes de fechar essa resenha, tenho que destacar um parágrafo especial para a construção da personagem Bruna. Alternadamente cálida e assustadora, o fantasma da menininha negra rodeada por pombos consegue o que dificilmente se vê por aí nos livros de terror: assustar. As cenas em que Estevão descreve a frieza nos olhos dela ou todo o ódio que a menina nutre dentro de si dão uma maior profundidade a ela. Para mim, Bruna é a melhor personagem do livro (e sim, eu tenho carinho e empatia por vilões, ainda mais após descobrir as suas motivações e objetivos).

“A Corrente” é isso: um romance que você lê rápido, se empolga com as cenas de morte e se intriga até descobrir o que raios todos os acontecimentos têm a ver com uma menina que mata qualquer um que se negue a perpetuar seu terror cibernético. Uma história que te prende até as últimas páginas e revelações, daquelas que você não vai conseguir largar pela metade. E então, o que você está esperando?

PS1) Você nunca olhará para sua caixa de spam com os mesmos olhos;
PS2) Você nunca olhará para os pombos na rua com os mesmos olhos;
PS3) Vai logo ler esse livro!

Até a próxima! 

domingo, 5 de dezembro de 2010

O Pacto - Joe Hill

O demônio sempre é pintado como um ser astuto, calculista e despreocupado com as emoções humanas, pronto para te sacanear no momento em que você firmar algum acordo com ele. Geralmente, é um ser que se apresenta com a coloração de pele avermelhada, cavanhaque enrolado no queixo, um tridente em mãos e cheiro de enxofre ao seu redor.

E, é claro, os chifres.

Em seu segundo romance, “O Pacto” (péssima tradução, por sinal, de um livro originalmente entitulado “Horns” – ‘chifres’ ou ‘cornos’, em uma tradução livre), Joe Hill nos apresenta a Ignatius Perrish, um cara que sempre tentou viver sua vida dentro das regras. Tudo estava muito bem, obrigado, até o dia em que a namorada de Ig, Merrin, é estuprada e assassinada e ele passa a ser considerado o principal suspeito do crime. Por ser de uma família abastada e contando com a ajuda do irmão – um famoso apresentador de TV –, Ig consegue se livrar das acusações da polícia, mas não da desconfiança de todos aqueles que o cercam.

Um ano se passa e Ig resolve comemorar o aniversário de morte de Merrin bebendo como um gambá e indo até o pequeno memorial criado no local em que ela morreu. Depois de mijar sobre a imagem de uma santa e fazer mais algumas coisas das quais não se lembra, Ig acorda no dia seguinte com uma dor de cabeça infernal e o que parece ser um par de chifres em sua testa. Ao olhar-se no espelho, Ig se intriga: como diabos aqueles chifres foram parar ali?

Toda a dúvida parece ficar em segundo plano quando o rapaz descobre para que servem aqueles chifres: quando as pessoas estão sob a influência dos cornos, deixam todas as suas inibições de lado e começam a contar detalhes sórdidos de suas vidas, bem como seus desejos mais íntimos e suas facetas mais surpreendentes, como se estivessem conversando com um demônio particular e pedindo orientação sobre qual seria a forma mais correta de agir. Quando vemos um personagem sofrer esse tipo de influência, que se alterna entre um estado momentâneo de hipnose e um momento de entrega total de sua natureza humana mais crua e visceral, não podemos deixar de nos identificar com toda a sinceridade dos discursos, toda a crueldade implícita nas palavras, no ser humano livre de suas amarras sociais e de sua autocensura, um pouco como nós mesmos e todos aqueles pré-conceitos que parecem já vir impregnados em nossa natureza humana. Incrível.

O texto de Joe Hill se alterna entre diversos pontos de vista: temos a história presente de Ig, mostrando a evolução gradual de seus chifres, dos poderes que eles carregam e a forma com a qual ele se utiliza deles para ajudá-lo a desvendar o mistério que cerca o assassinato de Merrin; o ponto de vista do passado, mostrando como Ig e Merrin se conheceram e como Ig veio a se tornar melhor amigo de Lee Torneau, um garoto com um sério problema para achar graça em piadas ou fazê-las usando a entonação correta, que mais tarde acaba por se tornar um importante político local. Todo o texto casa muito bem com o desenrolar da história: Joe Hill consegue manter o suspense até os últimos momentos, fazendo com que seguremos o fôlego enquanto lemos páginas e mais páginas de ação acontecendo, mistérios sendo desvendados e cenas belíssimas que parecem passar por nossos olhos como um filme muito bem executado.

Tentei encontrar algum defeito em ‘O Pacto’, mas além da inexistência desse tal pacto – é, não tem pacto nenhum -, não achei nada que pudesse apontar como defeito de narrativa (tem uns errinhos de digitação, mas não são relevantes). Comparando este livro com o primeiro do autor, ‘A Estrada da Noite’, percebemos com clareza o amadurecimento de Joe Hill como autor e construtor de personagens. Ignatius Perrish é um ser complexo, em busca de justiça por um crime que não cometeu, uma criatura inocente que demora para perceber que as pessoas não são exatamente o que parecem a partir do momento em que contam o que realmente pensam sobre suas vidas e quais são os seus verdadeiros desejos.

O release do livro diz que, além de divertir, o romance nos leva a refletir sobre nossos conceitos maniqueístas de bem e mal, Deus e demônio, certo e errado, etc. E ele cumpre o que promete. Ig vai se transformando, pouco a pouco, na personificação do demônio – com direito a tridente, cobras rastejando ao seu redor e tudo mais – mas, por incrível que pareça, não é o vilão da história. Seus poderes ajudam-no a descobrir verdades inconvenientes e segredos enterrados nas profundezas da consciência, fazendo-nos pensar que o rapaz – o demônio, em carne, ossos e chifres – é o mais justo, inocente e menos pecador dentre os humanos. Um paradoxo, no mínimo.

O segundo livro de Joe Hill o consolida como um dos melhores autores de terror na literatura atual. O cara é bom, não há dúvidas disso. E seu segundo romance pode ser resumido em uma indagação que Ignatius Perrish se faz durante uma das passagens mais sombrias e arrepiantes da história: se Deus não aceita os pecadores no paraíso e a função do demônio é a de punir tais pecadores, então os dois devem estar jogando no mesmo time. Faz ou não faz sentido? É algo a se pensar.

domingo, 27 de junho de 2010

Os Mortos-Vivos - Peter Straub

“Qual foi a pior coisa que você já fez?

Não vou contar, mas lhe direi qual foi a pior coisa que já me aconteceu... a mais terrível...”

Com esse pequeno texto, Peter Straub inicia um de seus mais famosos livros, considerado por muitos como um dos melhores do gênero. "Os Mortos-Vivos" (lançado nos EUA em 1979 com o título Ghost Story) conta a história de um grupo de quatro idosos que, periodicamente, se reúne para beber e contar histórias de terror, vestidos em ternos de gala e sentados em confortáveis poltronas de uma biblioteca particular. Quando uma série de acontecimentos estranhos começa a percorrer a cidade de Milburn – com direito a animais degolados sem que haja sangue no chão e suicídios sem explicações racionais –, o grupo pede a ajuda do escritor Don Wanderley, filho de um dos integrantes da Sociedade Chowder.

O livro é eletrizante, e seu prólogo já deixa isso bem claro. O início mistura tudo o que o leitor mais exigente procura: é misterioso e instigante na medida certa, te deixando extremamente intrigado e curioso para saber o que acontecerá em seguida.

É difícil comentar sobre "Os Mortos-Vivos" (título nacional bastante pobre e incoerente com a história em si, vale ressaltar) sem soltar nenhum tipo de spoiler, portanto, deixarei a sinopse um pouco de lado para dar mais espaço às impressões que tive nos outros quesitos de leitura.

Em primeiro lugar, a escrita de Peter Straub flui extremamente bem, mas não é perfeita. Não que o livro seja mal-escrito, longe disso: acho apenas que ele não é daquele tipo de prende a atenção de leitores ocasionais e sonolentos. Precisei, durante muitas vezes, voltar em algumas partes para saber o que estava lendo, mas credito essa falha muito mais a mim do que ao texto por si só.

Acho que há, também, uma sucessão de descrições que poderiam ser sumariamente cortadas do livro, para torná-lo mais dinâmico, principalmente nas partes em que a ação predomina. Há cenas que são simplesmente perfeitas – como ver um fantasma pegando a cabeça de um personagem X e obrigando-o a assistir enquanto outro fantasma mata o personagem Y –, com uma carga de tensão e horror excelentes. Mas há outras em que você simplesmente quer acabar logo de uma vez por todas e se pergunta o que diabos aquelas descrições estão fazendo ali.

Quanto a outros quesitos, não tenho o que reclamar. Ainda consigo ver todos os personagens principais do livro – e alguns secundários que são absurdamente bem construídos –, mesmo depois de tê-lo terminado há quase uma semana. A construção vai evoluindo aos poucos e, na última parte - quando todo o mistério do livro é enfim revelado - já sabemos sobre todos os personagens e temos os nossos preferidos.

O livro não é cronológico. Seu texto é complexo, misturando memórias dos personagens em primeira pessoa – tendo como fonte principal os diários de Don Wanderley – com ações acontecidas no presente em terceira pessoa e as próprias histórias que a Sociedade Chowder conta. Isso, no entanto, não causa confusão: o texto é ligado de uma forma extremamente consciente e orgânica pelo escritor, que pareceu não ter esforço algum para criar um grupo tão coeso. Você realmente se sente em Milburn, enfrentando as nevascas que fecham as estradas e lidando com criaturas soturnas que te perseguem noite afora.

No fim, o que fica na memória é um livro assustadoramente agradável. Arrisque-se a lê-lo de madrugada, no silêncio sepulcral e só com uma lanterna em mãos. Eu te desafio.

Nota: O livro parou de ser editado no Brasil. Portanto, se você não tiver a mesma sorte que eu e encontrá-lo a preço de banana em um sebo, corra até uma biblioteca e tente achá-lo. Se nem assim você conseguir, tecle a alternativa B: procure pelo filme “Histórias de Fantasma”, lançado em 1981 e adaptado do livro de Peter Staub. O filme tem muitas diferenças do livro (muitas mesmo), mas pelo menos te dá um gostinho da história que, garanto, é imperdível.