quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Foals - Total Life Forever

Tenho uma mania – que até hoje não sei se é boa, ruim ou (a)normal – de sair por aí pesquisando sobre coisas que não conheço pelo simples prazer de conhecer coisas novas. Acho um exercício interessante descobrir livros, filmes ou músicas que talvez nunca conhecesse se não fuçasse por sites de críticas e procurasse indicações dos amigos. Quando acho músicas e bandas boas, são dessas que geralmente não aparecem nos VH1’s da vida nem nos TOP TVZ’s, mas que são tão ou mais interessantes do que as músicas que as rádios tão à exaustão tocam em nossos ouvidos. E, como já disse, esse espaço será de compartilhamento. Então, vamos compartilhar opiniões?

Quero comentar um pouco sobre o disco mais recente da banda Foals, chamado “Total Life Forever”. Lançado no ano passado e com uma boa recepção tanto de público quanto de crítica, o disco foi o primeiro (e, por enquanto, único) que ouvi da banda, apesar de ser o segundo da carreira dos caras. A voz de Yannis Philippakis muito me agradou, bem como toda a harmonia do disco. A primeira música, ‘Blue Blood’, começa de forma singela e progressiva, com uma batida de cordas que é sobreposta pela voz melancólica e nostálgica de Yannis. Parece que ele está cantando sobre amores perdidos ou sobre as desilusões de sua vida. Logo, a bateria e a guitarra tomam conta da música – e continuam por boa parte do disco.

A faixa que dá título ao disco, ‘Total Life Forever’, é divertida e dançante, enquanto ‘Spanish Sahara’ – que é, para mim, a melhor – se mostra triste, solitária e, se assim posso dizer, fria. A música faz um crescendo sensacional: começa devagar, baixa e lenta e progride em batidas mais fortes, mais velozes e constantes. “Eu sou o coro de fúrias em sua cabeça/O coro de fúrias em sua cama/Eu sou o fantasma atrás de sua cabeça”, Yannis canta à exaustão, como se quisesse exorcizar seus próprios demônios e suas próprias fúrias. Há também ‘After Glow’, outra música incrível, onde a banda se esforça na repetição de sons, na batida constante e nos efeitos eletrônicos para se sustentar por quase seis minutos.

Não sou muito bom para comentar música – pouco entendo desses movimentos e desses efeitos de drum-bass, drum-machine, beat-da-bumpt-box-com-whiskas-sachê e dessas subvariações de power rock, rock la bamba, pocket rock, etc e tal –, mas acho que posso dizer o que realmente importa: “Total Life Forever” é desses discos de fácil digestão, que te fazem viajar por cinquenta minutos sem muito esforço. Os vocais são hipnotizantes, a bateria é poderosa e a guitarra cumpre bem o seu papel de estar no lugar certo e na hora certa. A banda sabe alterar muito bem momentos de velocidade com momentos de calma e momentos de suavidade com momentos de potência. E, no fim, acho que isso é o que importa: ser um disco bom sem se preocupar em categorizá-lo em rock beat ou beat rock. Por que isso, no fim das contas, não faz muita diferença.

Para deixar um gostinho, segue abaixo o – belíssimo! – vídeo de ‘Sahara Spanish’. Deem uma olhada e tirem suas próprias conclusões:

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Inverno da Alma

De todos os filmes que estão concorrendo ao Oscar de melhor filme, talvez o singelo, barato e praticamente inexpressivo 'Inverno da Alma' (Winter's Bone) tenha passado despercebido sobre os holofotes apontados para a disputa 'A Rede Social' vs. 'O Discurso do Rei'. Não é para menos: o filme, dentre todos os dez que estão concorrendo a estatueta mais cobiçada da noite, é considerado o azarão da disputa, o geek na turma dos atletas, o filme que está, er... deslocado. E motivos para isso não faltam: vão desde o seu baixo orçamento (estimado em 2 milhões de dólares, contra os 15 milhões de ‘O Discurso do Rei’ e os 160 milhões - !!! – de ‘A Origem’), passam pelo seu elenco composto quase que completamente de novos atores e desaguam em seu estilo de filme noir moderno que, convenhamos, não é lá muito a cara da Academia.

O enredo é simples, mas está longe de ser simplório: conta a história de Ree Dolly (Jennifer Lawrence), uma adolescente de dezessete anos que se vira como pode. Com uma mãe debilitada por conta de traumas mentais, dois irmãos pequenos e um pai que sumiu de suas vidas sem deixar vestígio, ela é a provedora da casa. Entre caçar esquilos e pedir ajuda aos vizinhos, Ree vai vivendo sua vida ao estilo ‘um pequeno passo de cada vez’. No entanto, toda essa dificuldade transforma-se em um verdadeiro pesadelo quando o xerife da cidade vai à casa de Ree e diz que o pai da menina, desaparecido, colocou a casa como garantia de suas dívidas e que, se ele não aparecer para julgamento, o imóvel será entregue às autoridades competentes. Ree sabe que o pai está metido com drogas e insiste em procurá-lo, apesar de todos os outros moradores da pequena comunidade de Ozarks insistirem para que a fique em seu lugar e não enfie o seu nariz onde não é chamada. E então ela vai, sozinha, em busca do pai desaparecido.

O tom do filme é extremamente melancólico. Li na resenha do Omelete que “(...)há uma casca de "filme de festival" que impede que esta adaptação do romance de Daniel Woodrell se movimente com mais naturalidade(...)”, mas sou obrigado a discordar do comentário. Creio que o tom – por vezes truncado – dado à história é quase que obrigatório para torná-lo mais profundo e absorver mais o espectador. Seja por sua trilha sonora quase que ausente, por seus cenários gélidos minimamente fotografados ou sua câmera estática, que sempre acompanha Jennifer Lawrence aonde quer que ela vá, o filme cumpre bem o papel de soar melancólico. Em ‘Inverno da Alma’ o que conta é a hipérbole do desespero, é a falta de ter em quem se apoiar na hora de conseguir atingir seus objetivos e em segurar-se naquilo mais improvável para ter sucesso. Um tapa na cara de todo aquele american way of life vendido para os adolescentes.

Creio que o filme não leve nenhuma das quatro categorias em que concorre (filme, atriz principal, ator coadjuvante e roteiro adaptado), mas considero-o uma das boas surpresas das indicações desse ano. É mais uma prova de que filmes baratos não são sinônimos de filmes ruins (outros exemplos sempre vêm pra provar essa teoria, de ‘Pequena Miss Sunshine’ e ‘Juno’ ao surpreendente vencedor de 2004, ‘Crash’) e que fazer cinema é uma arte que envolve menos pirotecnia e mais competência na hora de fazer uma boa história. Um filme altamente recomendado para aqueles que têm o coração um pouquinho mais duro e que aguentam situações extremas sem se acabarem em lágrimas ou em desesperança.

Apresentação

Um, dois, três... testando. Pois é, acho que está funcionando.

Sejam todos bem-vindos a esse pequeno espaço cibernético perdido entre zilhões de bytes de informação. Essa é (mais) uma de minhas tentativas de manter um blog ativo e funcional durante mais de duas semanas. E, como é de praxe em qualquer relacionamento novo, começarei as apresentações (e lá vamos nós com aquele blábláblá a la perfil de revista adolescente): me chamo Lucas Rocha, tenho 18 anos e estudo biblioteconomia - um curso do qual provavelmente você nunca ouviu falar. Além disso, gosto de me torturar escrever. É, esse pequeno e inglório serviço de aglutinar palavras em frases é uma de minhas satisfações pessoais.

O espaço do blog 'Becos Urbanos' terá de tudo um pouco: música, literatura, arte, eventos, histórias e desventuras. Será como uma cidade cheia de reentrâncias e caminhos misteriosos que podem te levar para lugares dos quais você nunca pensou entrar. Alguns bons, outros péssimos, outros desconhecidos e surpreendentes. Aqui, você encontrará um pouco sobre meus gostos, as recomendações que me fazem e as pequenas loucuras com as quais eu sempre esbarro por aí. Então chegue mais perto, vire a próxima esquina e não se preocupe com as sombras que estão ao seu redor: elas devem estar tão curiosas quanto você.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Apresento-vos 'O Baronato de Shoah', de José Roberto Vieira


Olá, pessoal! Eu sei que esse blog tem se dedicado exclusivamente à postagem de resenhas, mas abro aqui um espacinho especial para divulgar um trabalho do qual acompanhei - de longe - a criação. Falo do romance 'O Baronato de Shoah', do amigo José Roberto Vieira. O romance é o primeiro a ter uma postura assumidamente steampunk e traz consigo cenários que misturam mitologia, tecnologia à base de vapor e inspiração em RPG's e videogames. Estou bastante curioso para saber como ficou o resultado desse trabalho.

Segue o release oficial do livro:



O Baronato de Shoah
A Canção do Silêncio

por José Roberto Vieira


O Baronato de Shoah – A Canção do Silêncio é o romance de estreia de José Roberto Vieira, uma emocionante aventura épica em um mundo fantástico e sombrio. Passado, presente e futuro se encontram com a cultura pop numa mistura de referências a animações, quadrinhos, RPG e videogames. Considerado o primeiro romance nacional pensado na estética steampunk, o mundo de O Baronato de Shoah une seres mitológicos como medusas e titãs a grandes inventos tecnológicos.

Desde o nascimento os Bnei Shoah são treinados para fazerem parte da Kabalah, a elite do exército do Quinto Império. Sacerdotes, Profetas, Guerreiros, Amaldiçoados, eles não conhecem outros caminhos, apenas a implacável luta pela manutenção da ordem estabelecida.
Depois de dois anos servindo o exército, Sehn Hadjakkis finalmente tem a chance de voltar para casa e cumprir uma promessa feita na infância: casar-se com seu primeiro e verdadeiro amor, Maya Hawthorn.

Entretanto, a revelação de um poderoso e surpreendente vilão põe Sehn perante um dilema: cumprir a promessa à amada ou rumar a um trágico confronto, sabendo que isso poderá destruir não só o que jurou amar e proteger, mas aquilo que aprendeu como a verdade até então.


Dados Técnicos:

Título: O Baronato de Shoah – A Canção do Silêncio
Autor: José Roberto Vieira
Gênero: Literatura fantástica - romance
Formato: 14cm x 21cm
Páginas: 264 em preto e branco, papel pólen bold 90g
Capa: Cartão 250g, laminação fosca, com orelhas de 6cm
Preço de capa: R$ 46,90


Sobre o autor:

José Roberto Vieira nasceu em 1982, na capital de São Paulo. Formado em Letras pela Universidade Mackenzie, atuou como pesquisador pelo SBPC e CNPQ, atualmente é redator e revisor. Teve contos publicados na coletânea Anno Domini – Manuscritos Medievais (2008) e Pacto de Monstros (2009). Blog: www.baronatodeshoah.blogspot.com

Sobre a editora:


Draco. Do latim, dragão.



A Editora Draco trabalha para fortalecer e patrocinar o imaginário brasileiro, tão nosso e único. Queremos publicar autores brasileiros, aliando design, ilustrações e tudo o que for possível para que nossos leitores sejam atraídos pela beleza das histórias e personagens que nossos livros trazem.

Com isso, esperamos que nossos leitores tenham acesso ao nosso maior tesouro: a literatura fantástica brasileira.

Assessoria de Imprensa: A/C Erick Santos e Karlo Gabriel – editoradraco@gmail.com 

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O Condenado - Bernard Cornwell


Feliz 2011, meus queridos leitores e amigos do peito. Passei um bom tempo afastado por pura preguiça e falta de tempo para colocar as ideias em ordem e fazer uma resenha coesa, mas estou de volta, dessa vez com um dos autores mais cultuados pelos amantes de romances históricos cheios de guerras, sangue, sexo e lutas por poder: Bernard Cornwell, autor de sagas grandiosas como ‘As Crônicas Saxônicas’ e ‘As Aventuras de Sharpe’.

Dono de um texto limpo e de um estilo que o firma como uma das referências no que diz respeito ao romance histórico, Bernard Cornwell se distancia um pouco de espadas, flechas e castelos em seu romance ‘O Condenado’. Ambientado em uma Inglaterra cinzenta do século XIX, a trama gira em torno do personagem Rider Sandman, um amante de críquete e antigo capitão do exército, que é convocado para investigar as circunstâncias do assassinato de uma condessa por um pintor efeminado. Ele precisa descobrir se o homem (ou ‘a fada’, forma como o suposto assassino é retratado por boa parte dos personagens) realmente estuprou a condessa e depois a matou.

Esse foi o primeiro livro de Bernard Cornwell que li, mas já sabia que ele era uma exceção: eu não veria batalhas épicas nem sangue espirrando páginas afora, mas sim uma trama policial bem amarrada – quem sabe até mesmo requintada – que se ambientava em um cenário diferente do medievalismo de boa parte dos romances do autor britânico. Esse foi um dos fatores que me empolgou a ler o livro: logo de primeira, iria dar de cara com uma faceta pouco conhecida de Cornwell e leria um de seus livros mais diferentes. Não me pareceu um mau negócio.

O começo do livro é empolgante, não há como negar isso. A primeira sequência, que descreve minuciosamente o processo de enforcamento de um personagem que não possui importância nenhuma a trama, é um prólogo apropriadíssimo: sentimos o cheiro pútrido dos porões, nos afligimos pelas súplicas de uma mulher que jura ser inocente e nos enraivecemos pela atitude de descaso e até mesmo divertimento da plebe, que mesmo tendo tão pouco consegue tripudiar de quem tem ainda menos. Tudo muito bonitinho, certinho e amarradinho. Mas então o livro começa.

Não é um livro difícil de ler. Cornwell tem uma escrita leve e fluida, com pouco uso de adjetivos e poucas descrições. Conseguimos nos transportar para a Inglaterra do século XIX sem nos preocupar muito com o cenário, mas sim com a história. Já falei em outro post que gosto quando a história é maior do que a História, então não irei me demorar muito nesse ponto. Vamos a Rider Sandman.

Capitão aposentado depois da Batalha de Waterloo, a construção de Sandman pareceu a mim a joia rara da Inglaterra, o homem bom, justo, incorruptível e sincero, o bonzinho da novela das seis que está lá para defender os fracos e oprimidos para ter como retribuição apenas o sorriso amarelado e a satisfação de ter feito o que é certo. Muito preto no branco, na minha humilde opinião. Sandman destoa de um cenário cheio de escalas de cinza e de personagens que poderiam ter tudo para ser cínicos e fazer escolhas que poderiam beneficiá-los. Ele é bom por ser bom, indefectível porque acredita na justiça. Mesmo com a justificativa dada no livro – o pai dele era um devedor e Sandman não queria continuar com aquela imagem estigmatizada – acho que o personagem poderia ser um pouco mais... humano.

Já em contraponto, temos Sally Hood (o sobrenome não é coincidência. Ela É irmã de Robin Hood – sim, no século XIX), uma garota que se vira como pode para ganhar o seu dinheiro da forma que acha mais digna – como, por exemplo, posar nua para servir de modelo de peitos para os pintores das condessas – e que é, para mim, a diversão de todo o livro. Boca suja, cheia de opiniões particulares e algumas vezes hilárias, ela também cai naquele estereótipo de ‘mulher que não está nem aí pra sociedade inglesa conservadora’, mas consegue se sair melhor do que Sandman. Ponto positivo.

A trama em si não traz muita empolgação: os personagens secundários – suspeitos do assassinato da condessa – são construídos de forma bastante rápida e insípida. Não consegui sentir simpatia por nenhum deles e achei a justificativa do assassino, ao final da história, a saída mais simples e fácil de ser executada. Quando enfim descobri o que aconteceu, simplesmente virei a página e continuei lendo, sem me emocionar nem um bocadinho.

[OK, SE VOCÊ NÃO QUER OUVIR SPOILERS, PULE PARA O FIM DO TEXTO]

O fim do livro é de prender o fôlego. Falo do finzinho mesmo, daquela parte em que já descobrimos quem é o assassino, mas Sandman ainda tem que correr para libertar o pintor-fada e acusar apropriadamente quem deve ser enforcado no lugar dele. É aquele clima de ‘vambora, Sandman! Cooooorre’ que me empolgou bastante. Ele está a um zilhão de quilômetros de distância e não dá conta de chegar com o cavalo a tempo. O texto vai e volta entre a corrida de Sandman e o pintor sendo executado. O cadafalso abre e o pintor começa a se enforcar, pouco a pouco perdendo a vida.

Parece que NÃO VAI dar tempo, que o livro vai acabar com o cara errado sendo enforcado – não seria um mau final –, mas eis que uma das cenas mais diarreia mental que eu já vi na minha vida tem início: o ROBIN HOOD aparece para salvar o dia. Vem entre a plebe correndo enquanto Sandman tenta abrir caminho para entregar a confissão de uma testemunha ao juiz, e simplesmente corta a corda que prende o pescoço do pintor e salva o dia.

Ok, eu já aturei a liberdade poética de usar o Robin Hood no século XIX, mas agora querer que eu aceite esse Deus ex machina cagado? É abusar demais da inteligência do leitor, tio Cornwell!

[/PRONTO, JÁ ROLOU O DESABAFO, PODEM LER A PARTIR DAQUI]

O que fica de ‘O Condenado’ é um gostinho de que o livro poderia ter sido mais bem executado. Os personagens poderiam ter sido mais bem explorados e cativar um pouco mais o leitor, sobretudo os secundários. Alguma motivação poderia ser dada para Sandman [MAIS UM SPOILERZINHO] pô, o cara recusa um suborno de sei lá quantas mil libras que podem acabar com todos os problemas dele a troco da justiça às últimas consequências [/ACABOU O SPOILERZINHO] e a trama podia ter um final um pouco mais inteligente.

É isso aí, espero que tenham gostado. Até a próxima. E comentem :)

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A Corrente - Estevão Ribeiro

Houve um tempo em que correntes eram uma coisa normal na internet. Volta e meia, você abria a sua caixa de spam ou seu scrapbook no Orkut e lá estava a malfadada mensagem: amores eternos, amizades duradouras, salvação da alma, salvação da humanidade, fim do aquecimento global, maldições, ad infinitum. Era praticamente impossível não ser pego por uma dessas correntes que te obrigava a passar a mensagem para um número determinado de pessoas na esperança de que todos os seus desejos fossem realizados.

Valendo-se dessas mensagens um tanto quanto incômodas e subestimadas por quem as recebe, Estevão Ribeiro compõe o seu novo thriller, “A Corrente” (editora Draco, 184 págs). Na história, somos apresentados a Roberto, um hacker que, após receber (mais) uma corrente na sua caixa de spam, decide gastar o seu tempo livre escolhendo para quem repassá-la. O que ele sequer desconfia é que essa não é uma corrente normal. Nela, uma menina de dezesseis anos chamada Bruna diz que consequências muito graves aguardam Roberto e qualquer um que se negar a enviar a corrente para sete pessoas. Ele obviamente não leva a sério (quem levaria?), mas acha legal passar a corrente só para perturbar amigos, conhecidos, desafetos e até mesmo uma ex-namorada.

Logo, somos apresentados à vida de cada uma dessas sete pessoas para as quais Roberto passa a mensagem. Uma grande jogada do autor foi ter conseguido dar a profundidade necessária para cada um dos personagens que aparece na narrativa, mesmo que não gaste muito tempo com isso. Somos apresentados a um dançarino narcisista, uma blogueira descendente de orientais que se empolga com cada novo comentário em seu blog, um entusiasta em música que turbina o seu carro com o melhor equipamento de som da cidade, a atendente de uma locadora cheia de sonhos não realizados, enfim, toda uma gama de personagens e sensações que, mesmo sendo tão diferentes, conseguem ser encaixados sem perder a sua riqueza ou sua relevância necessária.

O objetivo do livro é divertir, e nisso ele cumpre muito bem o seu papel. Aos amantes de filmes gore cheios de tripas e vísceras voando câmera afora e sujando a lente com respingos de sangue, o livro é uma ótima pedida. Fraturas expostas, carbonizações e objetos perfurantes são apenas alguns dos apetrechos utilizados por Estevão para a composição de suas cenas de morte ao melhor estilo ‘Premonição’ (e sim, eu adoro esse filme – o primeiro).

Uma coisa, porém, não me agradou muito na narrativa: o seu estilo, narrado em terceira pessoa do presente, em alguns momentos me pareceu um pouco frio demais e não conseguiu me envolver, principalmente nas cenas em que Roberto é o centro das atenções. Parece mais uma descrição subsequente de fatos, sem explorar as sensações do personagem. No entanto, isso não prejudica o livro como um todo: essa frieza às vezes é positiva, dando um clima de solidão e aquela sensação de frio na espinha, principalmente nas cenas em que Bruna aparece e naquelas em que os personagens secundários encontram o seu destino trágico nas mãos dela. É aquele esquema de prejudicar certas partes para o benefício de outras.

Antes de fechar essa resenha, tenho que destacar um parágrafo especial para a construção da personagem Bruna. Alternadamente cálida e assustadora, o fantasma da menininha negra rodeada por pombos consegue o que dificilmente se vê por aí nos livros de terror: assustar. As cenas em que Estevão descreve a frieza nos olhos dela ou todo o ódio que a menina nutre dentro de si dão uma maior profundidade a ela. Para mim, Bruna é a melhor personagem do livro (e sim, eu tenho carinho e empatia por vilões, ainda mais após descobrir as suas motivações e objetivos).

“A Corrente” é isso: um romance que você lê rápido, se empolga com as cenas de morte e se intriga até descobrir o que raios todos os acontecimentos têm a ver com uma menina que mata qualquer um que se negue a perpetuar seu terror cibernético. Uma história que te prende até as últimas páginas e revelações, daquelas que você não vai conseguir largar pela metade. E então, o que você está esperando?

PS1) Você nunca olhará para sua caixa de spam com os mesmos olhos;
PS2) Você nunca olhará para os pombos na rua com os mesmos olhos;
PS3) Vai logo ler esse livro!

Até a próxima! 

domingo, 5 de dezembro de 2010

O Pacto - Joe Hill

O demônio sempre é pintado como um ser astuto, calculista e despreocupado com as emoções humanas, pronto para te sacanear no momento em que você firmar algum acordo com ele. Geralmente, é um ser que se apresenta com a coloração de pele avermelhada, cavanhaque enrolado no queixo, um tridente em mãos e cheiro de enxofre ao seu redor.

E, é claro, os chifres.

Em seu segundo romance, “O Pacto” (péssima tradução, por sinal, de um livro originalmente entitulado “Horns” – ‘chifres’ ou ‘cornos’, em uma tradução livre), Joe Hill nos apresenta a Ignatius Perrish, um cara que sempre tentou viver sua vida dentro das regras. Tudo estava muito bem, obrigado, até o dia em que a namorada de Ig, Merrin, é estuprada e assassinada e ele passa a ser considerado o principal suspeito do crime. Por ser de uma família abastada e contando com a ajuda do irmão – um famoso apresentador de TV –, Ig consegue se livrar das acusações da polícia, mas não da desconfiança de todos aqueles que o cercam.

Um ano se passa e Ig resolve comemorar o aniversário de morte de Merrin bebendo como um gambá e indo até o pequeno memorial criado no local em que ela morreu. Depois de mijar sobre a imagem de uma santa e fazer mais algumas coisas das quais não se lembra, Ig acorda no dia seguinte com uma dor de cabeça infernal e o que parece ser um par de chifres em sua testa. Ao olhar-se no espelho, Ig se intriga: como diabos aqueles chifres foram parar ali?

Toda a dúvida parece ficar em segundo plano quando o rapaz descobre para que servem aqueles chifres: quando as pessoas estão sob a influência dos cornos, deixam todas as suas inibições de lado e começam a contar detalhes sórdidos de suas vidas, bem como seus desejos mais íntimos e suas facetas mais surpreendentes, como se estivessem conversando com um demônio particular e pedindo orientação sobre qual seria a forma mais correta de agir. Quando vemos um personagem sofrer esse tipo de influência, que se alterna entre um estado momentâneo de hipnose e um momento de entrega total de sua natureza humana mais crua e visceral, não podemos deixar de nos identificar com toda a sinceridade dos discursos, toda a crueldade implícita nas palavras, no ser humano livre de suas amarras sociais e de sua autocensura, um pouco como nós mesmos e todos aqueles pré-conceitos que parecem já vir impregnados em nossa natureza humana. Incrível.

O texto de Joe Hill se alterna entre diversos pontos de vista: temos a história presente de Ig, mostrando a evolução gradual de seus chifres, dos poderes que eles carregam e a forma com a qual ele se utiliza deles para ajudá-lo a desvendar o mistério que cerca o assassinato de Merrin; o ponto de vista do passado, mostrando como Ig e Merrin se conheceram e como Ig veio a se tornar melhor amigo de Lee Torneau, um garoto com um sério problema para achar graça em piadas ou fazê-las usando a entonação correta, que mais tarde acaba por se tornar um importante político local. Todo o texto casa muito bem com o desenrolar da história: Joe Hill consegue manter o suspense até os últimos momentos, fazendo com que seguremos o fôlego enquanto lemos páginas e mais páginas de ação acontecendo, mistérios sendo desvendados e cenas belíssimas que parecem passar por nossos olhos como um filme muito bem executado.

Tentei encontrar algum defeito em ‘O Pacto’, mas além da inexistência desse tal pacto – é, não tem pacto nenhum -, não achei nada que pudesse apontar como defeito de narrativa (tem uns errinhos de digitação, mas não são relevantes). Comparando este livro com o primeiro do autor, ‘A Estrada da Noite’, percebemos com clareza o amadurecimento de Joe Hill como autor e construtor de personagens. Ignatius Perrish é um ser complexo, em busca de justiça por um crime que não cometeu, uma criatura inocente que demora para perceber que as pessoas não são exatamente o que parecem a partir do momento em que contam o que realmente pensam sobre suas vidas e quais são os seus verdadeiros desejos.

O release do livro diz que, além de divertir, o romance nos leva a refletir sobre nossos conceitos maniqueístas de bem e mal, Deus e demônio, certo e errado, etc. E ele cumpre o que promete. Ig vai se transformando, pouco a pouco, na personificação do demônio – com direito a tridente, cobras rastejando ao seu redor e tudo mais – mas, por incrível que pareça, não é o vilão da história. Seus poderes ajudam-no a descobrir verdades inconvenientes e segredos enterrados nas profundezas da consciência, fazendo-nos pensar que o rapaz – o demônio, em carne, ossos e chifres – é o mais justo, inocente e menos pecador dentre os humanos. Um paradoxo, no mínimo.

O segundo livro de Joe Hill o consolida como um dos melhores autores de terror na literatura atual. O cara é bom, não há dúvidas disso. E seu segundo romance pode ser resumido em uma indagação que Ignatius Perrish se faz durante uma das passagens mais sombrias e arrepiantes da história: se Deus não aceita os pecadores no paraíso e a função do demônio é a de punir tais pecadores, então os dois devem estar jogando no mesmo time. Faz ou não faz sentido? É algo a se pensar.