sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A Culpa é do Fidel!

Bem, sei que estou a um tempo considerável sem postar nada por aqui. Eu devo desculpas aos meus dois leitores e meio e não tenho nenhuma justificativa que não seja preguiça. Mas devo jurar, senão a mim mesmo, pelo menos a vocês que me leem, que pretendo deixar as coisas aqui mais... periódicas. Estou até bolando uma listinha de quando escrever e o que escrever, mas não vou colocá-la agora por ainda estar em fase de teste.

Desculpas colocadas, vamos ao que interessa. Como todos já devem ter percebido – ou não –, o meu foco nesse blog tem sido majoritariamente sobre os livros. Mas não sei se estou conseguindo fazer um bom trabalho: dependendo do meu humor e do estado cósmico do universo, demoro entre três dias e três meses para conseguir terminar um livro, e isso gera uma lacuna gigantesca entre os posts. Tem horas que o lugar parece literalmente largado às traças. Não é bem assim. Apesar de ser um apaixonado por livros, não devoto minha vida inteiramente a eles. Também vejo filmes, leio quadrinhos, jogo videogame, assisto séries, ouço música, enfim... faço tudo o que uma pessoa normal faz (será?).

Então pensei: ‘já que eu faço tanta coisa além de ler, porque não trazer tudo para cá?’ E hoje pretendo começar a mudar um pouco as coisas por aqui. A começar pelo filme que vi dia desses e decidi que seria uma ótima indicação: ‘A Culpa é do Fidel!’

O que mais me chamou a atenção no filme foi o título bastante sugestivo. Antes de ver qualquer comentário ou sinopse, fiquei com o pé atrás da orelha. Afinal, o que era culpa do Fidel? O socialismo, a morte de Che, os charutos cubanos, a Terceira Guerra Mundial? Curioso, mas ainda assim preguiçoso, esqueci do filme durante um tempo, mas em uma noite absolutamente entediante, decidi que seria uma boa ideia vê-lo.

Não me arrependi. O filme (de origem francesa, a propósito, e não latina, como pode parecer a primeira vista) conta a história de Anna de la Mesa, uma menininha de nove anos que tem tudo o que uma família de classe média dos anos setenta tem: uma casa com um jardim, aulas em um colégio católico, um irmãozinho e uma empregada cubana que tem um ódio mortal de comunistas. Nesse quadro um tanto típico e familiar, Anna tenta se destacar sendo a primeira aluna da classe, a nadadora mais aplicada do time e a menina mais questionadora do mundo. A analogia pode não ser muito adequada, mas não pude deixar de pensar na Mafalda em cenas específicas do filme.

Tudo ia muito bem na vida de Anna até que, um dia, a tia e a prima da menina chegam refugiadas da Espanha, após o assassinato do tio, um militante contra a ditadura de Franco. A partir daí, tudo vira de cabeça para baixo: os pais de Anna, interpretados por Stefano Accorsi e Julie Depardieu, se engajam na causa socialista, obrigando a menininha a rever todos os conceitos sociais com os quais aprendeu a conviver desde que nasceu.

A graça do filme está no tom ingênuo e aborrecido com o qual Anna vê tudo a sua volta mudar: de uma hora para outra, eles se mudam da grande casa para um pequeno apartamento, sempre cheio de homens barbudos e descabelados; Anna é obrigada por seus pais a sair das aulas de religião e não pode nem mesmo ler os gibis do Mickey, considerado por seu pai como “um símbolo fascista de poder”.

Adaptado do romance Tutta Colpa di Fidel, da jornalista italiana Domitilla Calamai, o filme tem momentos engraçadíssimos, como quando a câmera focaliza-se sobre a barba do pai de Anna e ela enfim percebe que ele se tornou um comunista, ou quando uma amiga de Anna, convidada a dormir no pequeno apartamento da menina, vislumbra o pai da garota emburrada trocar de roupa e, pela primeira vez, vê um pênis. Tudo com uma ingenuidade absurdamente verossímil e agradável.

Essa dicotomia surpreendente é o que mais agrada: enquanto todos, nos idos de 1968, queriam as revoluções sociais e as revoluções econômicas, uma menininha aborrecida não vê sentido nas coisas que acontecem, questionando tudo o que lhe cerca. Um filme curto mas divertido, ‘A Culpa é do Fidel!’ é o filme ideal para que os de sangue revolucionário tenham uma visão diferente do mundo, mesmo que sob o foco de uma garota de nove anos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Não tive coragem de não postar

Tá ok gente, eu sei que vocês são gente que provavelmente não acredita nessas coisas. Mas eu acredito. Hoje, ao abrir a minha caixa de e-mail, encontrei isso. Eu sei que não é muito a proposta do blog, mas não tive como deixar de postar isso aqui. Aí vai:

“Olá,
Meu nome é Bruna e tenho dezesseis anos. Gosto de trocar mensagens, conhecer pessoas pela Internet e adorei seu blog. Por isso, escolhi você para ser meu novo amigo. Eu acredito que vamos nos dar muito bem.
E para isso acontecer, poste esse email no seu blog. Torça para ter sete comentários, ou então você terá MUITO azar.
Se não postar? Vai ser muito pior. Mas você não faria isso.
Você não recusaria o pedido de uma morta, né?”
Isso pode parecer um pouco estúpido, eu sei. Mas depois de ver o vídeo abaixo, vão entender porque eu tive que fazer isso.

E por favor, COMENTEM, não quero que nada disso me atormente!

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Neon Azul – Eric Novello

Seja benvindo ao Neon Azul. Qual é o seu desejo?

“Neon Azul” (Editora Draco, 166 p.) é o mais novo lançamento do autor carioca Eric Novello. Lançamento bastante aguardado por mim, devo confessar. Em primeiro lugar, por se tratar de um romance de fantasia urbana, gênero ainda tão pouco difundido nos livros de literatura nacional; em segundo, pelo tema envolvente e pela atmosfera sedutora que o livro, desde antes do seu lançamento, criou.

Deixe-me explicar: Neon Azul é o nome de um clube, boate, inferninho ou bar (escolha um dos substantivos ou use-os todos de uma vez, não faz tanta diferença assim) localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro. Um lugar onde os desejos mais íntimos e particulares afloram de forma perturbadora, no convívio com notas de piano e drinks luminescentes. Entre as figuras frequentadoras do bar, encontramos um homem que nunca dorme, um advogado com um boneco de estimação dentro de uma garrafa e um mendigo com um passado bastante intrigante. E como figura principal temos ‘O Homem’, criatura incógnita de chapéu panamá e anéis nos dedos, sempre com uma proposta irrecusável para os seus clientes.

É nesse clima de fumaça de cigarros, reflexos de espelhos e néon azulado que somos apresentados aos dez contos do livro. Neles, os personagens e as histórias se cruzam de forma não-cronológica, deixando o leitor confortavelmente confuso. O formato fix up torna tudo ainda mais interessante: é um livro sem início ou fim, que pode ser lido em qualquer ordem sem que sua essência seja perdida.

“Neon Azul” não é nem de perto um livro feliz. Os personagens são pessoas que apanharam da vida e estão sem rumo, perdidas por entre lágrimas e solidão. E essa ausência de chão, de ter algum lugar em que se firmar, é assustadoramente real e – acredito – compatível com o que muitas pessoas sentem. O Neon Azul é a fuga da tristeza, a alternativa para aqueles que estão cansados de se sentirem sós, e ‘O Homem’ é o objeto materializador desses anseios e desejos. No entanto, tal qual um agiota, ele sempre cobra juros altíssimos por seus empréstimos de felicidade momentânea.

A fantasia se apresenta de forma muito sutil em “Neon Azul”. Não sabemos se ela de fato existe ou se é mera especulação dos personagens, produto de suas mentes e de seus delírios. Essa sensação suspensa de dúvida, de não saber exatamente o que ou como as coisas acontecem, torna a história mais atraente. O autor não desafia a inteligência do leitor com explicações minuciosas sobre os acontecimentos; prefere, ao invés disso, deixar que cada um tire uma conclusão e uma interpretação própria.

Outra coisa que adorei no livro foram as referências, que vão desde Charles Chaplin e Orson Welles até Massive Attack e Jay Vaquer. Eric sabe colocar as suas influências cinematográficas, musicais e artísticas no lugar certo. Quem não ficou com ‘Só tinha que ser com você’ retumbando na cabeça depois de ler a história de Jéssica? Eu fiquei.

E a Editora Draco, como sempre, dá um show na produção editorial – e eu não vou me cansar de dizer isso. A capa está maravilhosa e a apresentação dos contos também. É quase como se você pudesse ver as luzes em néon se acendendo depois daquela piscadela e daquele barulho da corrente elétrica atravessando os fios.

“Neon Azul” é um livro que não deve ser lido apenas uma vez. É cheio de paixões, amores e desastres e, apesar da solidão e da amargura que os personagens sentem, é daqueles que você não consegue parar de ler até que chegue ao fim.

E aí reside outro grande problema: o livro não tem fim nem começo. Posso, então, dizer que cheguei ao fim?

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Anacrônicas - Ana Cristina Rodrigues

Ir ao Fantasticon 2010 foi uma das melhores coisas que pude fazer esse ano. Esse pequeno fim de semana na seca e poluída cidade de São Paulo me fez conhecer muita gente que antes era apenas uma janelinha de MSN ou uma carapaça de aparente mau humor e ironia. Saímos, conversamos, nos conhecemos melhor e eu me diverti como não fazia há MUITO tempo. E, nesse meio tempo, comprei muitos livros – mais do que o meu cartão de crédito podia aguentar.

No entanto, o livro Anacrônicas (Editora A1, 90p.) não foi comprado junto com o montante da Fantasticon. Ele foi comprado há muito tempo atrás, mas, por incompetência dos nossos honoráveis correios, nunca chegou em minha residência pelas mãos de um carteiro. Tive que esperar um tempo considerável para tê-lo em mãos e, só depois de conhecer a Ana Cristina Rodrigues pessoalmente, é que o tenho dedicado e autografado, e posso finalmente emitir a minha opinião sobre os pequenos escritos – mesmo que muitos já o tenham feito antes de mim (e provavelmente melhor).

Antes de tudo, um parêntese sobre o trabalho editorial do livro: ele é lindo. A capa e as ilustrações internas, desenhadas pelo quadrinista e marido Estevão Ribeiro, são um deleite aos olhos. Como não se apaixonar pelo coelho indo lentamente embora e imprimindo suas pegadas no chão no conto “O mapa para a Terra das Fadas”? Ou com a pose mista de força e ternura de Liliane no conto “A Dama de Shalott”? Sem contar com as outras figuras, entre dados, coelhos, relógios e repórteres de jornal.

Outro parêntese: talvez por ter sido um livro feito longe de uma editora grande e de um editor responsável por não ter outra preocupação a não ser vendê-lo, Anacrônicas se torna um relato bastante particular. Seja nos contos pessimistas ou nos alegres, a personalidade da autora consegue se imprimir em cada um deles. Historiadora, mãe, irônica, feliz, triste, mulher. Tudo se junta numa pequena mas significativa quantidade de páginas.

Parênteses feitos, vamos aos contos.

***

É Tarde!

Abrindo a antologia de pequenos contos mágicos, uma história singela e simples, com um ritmo assustadoramente rápido e nostalgicamente delicioso. Em menos de uma página, somos apresentados aos personagens mais significativos do País das Maravilhas e nos enveredamos pela corrida do coelho branco. Com um final um tanto quanto... bem, leiam!

Chiaroscuro

Um conto fluido, com um título interessantíssimo e uma história ainda mais interessante. O jogo de cores e contrastes se mostra bastante presente aqui. O conto mais parece uma obra de arte que ora tende ao chiaro e ora tende ao ‘scuro. Ideia sensacional!

A Princesa de Toda a Dor

Triste e lírico. Daqueles contos que te deixam com um gostinho de fel na boca, com uma vontade de interferir na vida das personagens e de mudar o destino que a autora deu a eles.

O Último Soneto

Igualmente triste, fala sobre a obsessão por um ideal. Me identifiquei absurdamente com esse conto: a agonia, o tédio, o raciocínio, a apreensão, tudo em prol de uma única obra – no caso, o soneto.

A Casa do Escuro Azul

Um conto que facilmente poderia se tornar uma coisa maior. Um romance, uma trilogia, uma saga. A ideia é ótima: após a Guerra Final, um grupo denominado Escudo Azul fica responsável por buscar no planeta grandes obras de arte da humanidade. Algumas coisas me pareceram um pouco inverossímeis, como “portões sempre abertos, pois não há necessidade de se temer depredações” (sic). Não confio muito nos humanos, antes ou depois de uma Guerra Final.

E o final... ah, que final bem sacado!

Vida na Estante

Menor conto do livro, e meu preferido. Demonstra que as traças são muito mais racionais que alguns seres humanos: às vezes um best-seller é mais delicioso e agradável ao paladar do que um grande clássico envolto em formol e erudição.

Os olhos de Joana

A pesquisa histórica desse conto é invejável, mas ele não entra na minha lista de preferidos. Apesar de não se mostrar confuso, o conto não me absorveu como leitor. Talvez sejam o excesso de nomes, talvez a história de Joana D’Arc não me empolgue muito. Acho que é mais questão de opinião, sabe.

O Senhor do Tempo

Outro pequeno e pessimista conto. Mas extremamente verdadeiro. Nem mesmo Deus acerta todos os chutes, não é mesmo?

Deus embaralha, o Destino corta

Falar sobre felicidade não é das tarefas mais fáceis, mas você se saiu muito bem nessa, Ana.

Feitiço sem Nome

Mediano, um conto com um enredo até bastante normal. Não tenho muito o que falar sobre ele.

A Dama de Shalott

Um dos maiores e mais bem elaborados contos do livro. Conta a história de Liliane, uma menina que não conhecia o mundo e vivia enclausurada, tecendo bordados com as imagens que via pelo espelho de seu quarto – uma vez que olhar diretamente para Camelot lhe traria uma maldição terrível.

O conto é fluido e ritmado, e seus parágrafos – praticamente de mesmo tamanho e com uma terminação rimada – mostram que, além de saber contar uma boa história, Ana Cristina também sabe construir uma narrativa que mistura de tudo um pouco e, entre o tudo e o pouco, colocar uma pitada de magia e uma colher generosa de competência.

Como nos tornamos Fogo?

Outro que não fui muito com a cara. Não sei, acho que narrativa não me atraiu muito, ou a minha compreensão pode não ter sido assim tão completa. Aqui o erotismo e a união entre duas naturezas diferentes não funciona tão bem como em “Chiaroscuro”.

Pelo espaço de um momento

Uma história gostosa de ler, ao mesmo tempo real e fantástica, com um quê de nostalgia impresso no tom da história. O retrato do menino me fez lembrar Dorian Gray.

Borboleta

Uma forma bastante interessante de exorcizar demônios e tristezas. Para aqueles que desejam fazer isso, esse conto é interessantíssimo. Já eu, apesar de não fazer origamis, tenho meus demônios em forma de papel. Estão todos nos meus cadernos, longe da minha cabeça e dos meus pensamentos.

Viagem à Terra das Ilusões Perdidas

Divertido e leve de se ler, um enredo bastante inusitado e uma história mais inusitada ainda. Não há idade para ir à Terra das Ilusões Perdidas.

O Baile de Máscaras

Máscaras são coisas que me chamam a atenção, sempre. Escrever sobre elas não é fácil, visto todas as implicações filosóficas sobre seu uso. Mas esse conto ficou incrível. O final foi eficaz e surpreendente.

Lenda do deserto

A ilustração é essencial para a complementação do conto, e consegue satisfazer perfeitamente a intenção. E a história é boa, mas figura na lista de medianos.

O mapa para a Terra das Fadas

É nesse conto que Ana Cristina se doa mais – ou assim nos parece fazer. O fato de ser uma história real só aumenta a impressão de verdade e sinceridade que a autora imprime em seus contos. Na história, Ana e seu filho, Miguel, tentam guiar a alma de um coelhinho morto para a Terra das Fadas, onde será bem cuidado pelos seres mágicos.

Emocionante e belo, o conto figura na minha lista de preferidos.

O eremita

Um conto singelo que trata sobre as convicções de um homem elevadas às últimas consequências. Trata de esperança, pois mostra que um homem pode mudar o pensamento de outros homens de uma forma positiva. E também de desesperança, por mostrar que os homens de poder dificilmente perdem a majestade – sobretudo para um eremita.

Apocalipse NOW!

Uma forma um tanto quanto inusitada de se assistir ao fim do mundo, sentado confortavelmente no sofá da sala enquanto o locutor anuncia a chegada das bestas do apocalipse. Mas, pensando bem, acho que é o que muita gente vai fazer – e muitas emissoras também, na luta final pela audiência.

Conto Bônus: O Sábio de Osgoroth

A anta aqui precisou ler o conto duas vezes pra poder pegar a sacada dele. Mas, depois que entendi (duh!) achei incrível a forma como se desenvolve. E o final é muito, mas muito interessante.

***

A impressão que se tem, ao terminar de ler Anacrônicas, é a de que você visitou um milhão de mundos distintos em apenas algumas agradáveis horas de leituras. E que valeu a pena sentar durante algum tempo e deixar se perder pelas reentrâncias de um livro tão pequeno, mas ainda assim tão complexo e completo. A Ana está de parabéns.

E que venham outros!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A Leste do Éden – John Steinbeck

Não sei se isso acontece com vocês, mas vez ou outra eu paro e me pergunto qual seria o meu escritor preferido. É uma cosia que nunca consigo responder. Os livros que leio são bons, alguns até mesmo geniais, mas nunca são daqueles que me marcam ou significam grande coisa para minha formação. Leio diversos autores, mas preferidos, somente um ou dois, daqueles que você precisa ler avidamente até o fim, segurando os livros como pedras preciosas para só largar depois que as últimas páginas terminam.

Com meu primeiro livro de John Steinbeck, posso dizer que acabo de adquirir mais um escritor preferido.

A situação em que comprei minha edição de “Leste do Éden” (ou, como consta na minha capa, “Vidas Amargas”, por conta do filme originado a partir do romance) foi bastante estranha. Estava eu no sebo, revirando livros e mais livros como sempre faço e gosto de fazer, a procura de alguma coisa interessante, mas sem achar nada que valesse a pena. Então pensei: ‘quer saber? Vou escolher o maior livro que tiver nessa estante, pelo preço mais barato’. Puxei o livro – um calhamaço de 600 e poucas páginas – e li o primeiro parágrafo. Um saco, logo pensei. No começo, John Steinbeck se preocupa em descrever minuciosamente toda a região das Salinas, onde o romance tomará lugar. Não desisti: avancei na leitura e, quando percebi, já estava acompanhando as desventuras das famílias Trask e Hamilton pelas paisagens áridas e empobrecidas da região.

John Steinbeck não nega suas raízes. O livro – considerado pelo próprio autor como seu melhor trabalho – possui um toque autobiográfico bastante evidente. Nascido e criado na região que descreve tão bem logo aos primeiros parágrafos, o autor consegue transpor para o papel tudo aquilo que, acredito, ele observava, sentia, cheirava. O narrador é um tipo de personagem onisciente, descendente da família dos Hamiltons, e me pergunto se o próprio Steinbeck não estaria contando um pouco de sua própria história.

O livro começa mostrando a chegada e a instalação de duas famílias bastante diferentes na região das Salinas, nos Estados Unidos. A primeira tem como patriarca Sam Hamilton, um homem bom, obcecado por invenções e patentes. Sam passa o dia inteiro inventando mecanismos para ajudar os homens da região, criando poços, dando de comer aos animais e procurando sempre atender a todos os habitantes da região da melhor forma possível, esquecendo-se de sua própria família e de si mesmo.

A segunda família tem como protagonistas os irmãos Adam e Charlie Trask. Em uma alusão clara a Caim e Abel – que se repetirá, mais a frente, com os filhos de Adam Trask – os irmãos disputam o amor e a atenção do pai, um veterano de guerra linha dura que acredita mais no poder de sua bengala do que no poder das palavras.

Há, ainda, uma terceira personagem fundamental para o desenvolvimento da história: Cathy Ames. Cathy (ou Kate, mais para frente) talvez seja uma das melhores personagens construídas ao longo de todo o romance. Ouso dizer que foi uma das vilãs que mais aprendi a admirar na literatura que já li. Fria, cruel e paciente, Kate é o tipo de vilã que deixaria Darth Vader parecer uma menininha indefesa de dez anos de idade. Dificilmente alguém conseguirá se manter impassível frente às atitudes da personagem – que, apesar das vilanias e da postura falsamente santa, possui uma das mentes mais cruéis e absurdamente loucas do mundo.

Um dos pontos mais interessantes do livro é a sua forma de construção. Ele não possui muitas descrições – excetuando-se, é claro, as longas e cansativas descrições de paisagens que vez ou outra pipocam no texto –, sobretudo acerca dos sentimentos dos personagens. E isso é fascinante. O narrador não precisa dizer alguma coisa do tipo ‘ele olhou para ela com um olhar raivoso’, pois os próprios diálogos conseguem passar essa mensagem. Diálogos sobre diálogos, o leitor consegue perceber a intenção do autor em colocar ali, naquelas poucas – e aparentemente vazias – frases, toda a carga emocional que caracterizará as cenas e os seus participantes.

Não há como definir uma sinopse para um tipo de livro como esse. É uma história majestosa e grandiosa, que cobre cerca de cinquenta anos (ou mais, estou chutando um período estimado) da história de duas famílias e a forma como elas se entrelaçam. Seus dramas, frustrações, desejos, anseios e alegrias. Uma aula para quem deseja escrever alguma coisa; horas e mais horas certas de distração, reflexão e literal viagem para o mundo de Steinbeck para aqueles que apenas desejam ler o livro no ônibus ou antes de dormir.

Uma coisa é certa: eu simplesmente me fascinei com a narrativa de Steinbeck.

domingo, 27 de junho de 2010

Os Mortos-Vivos - Peter Straub

“Qual foi a pior coisa que você já fez?

Não vou contar, mas lhe direi qual foi a pior coisa que já me aconteceu... a mais terrível...”

Com esse pequeno texto, Peter Straub inicia um de seus mais famosos livros, considerado por muitos como um dos melhores do gênero. "Os Mortos-Vivos" (lançado nos EUA em 1979 com o título Ghost Story) conta a história de um grupo de quatro idosos que, periodicamente, se reúne para beber e contar histórias de terror, vestidos em ternos de gala e sentados em confortáveis poltronas de uma biblioteca particular. Quando uma série de acontecimentos estranhos começa a percorrer a cidade de Milburn – com direito a animais degolados sem que haja sangue no chão e suicídios sem explicações racionais –, o grupo pede a ajuda do escritor Don Wanderley, filho de um dos integrantes da Sociedade Chowder.

O livro é eletrizante, e seu prólogo já deixa isso bem claro. O início mistura tudo o que o leitor mais exigente procura: é misterioso e instigante na medida certa, te deixando extremamente intrigado e curioso para saber o que acontecerá em seguida.

É difícil comentar sobre "Os Mortos-Vivos" (título nacional bastante pobre e incoerente com a história em si, vale ressaltar) sem soltar nenhum tipo de spoiler, portanto, deixarei a sinopse um pouco de lado para dar mais espaço às impressões que tive nos outros quesitos de leitura.

Em primeiro lugar, a escrita de Peter Straub flui extremamente bem, mas não é perfeita. Não que o livro seja mal-escrito, longe disso: acho apenas que ele não é daquele tipo de prende a atenção de leitores ocasionais e sonolentos. Precisei, durante muitas vezes, voltar em algumas partes para saber o que estava lendo, mas credito essa falha muito mais a mim do que ao texto por si só.

Acho que há, também, uma sucessão de descrições que poderiam ser sumariamente cortadas do livro, para torná-lo mais dinâmico, principalmente nas partes em que a ação predomina. Há cenas que são simplesmente perfeitas – como ver um fantasma pegando a cabeça de um personagem X e obrigando-o a assistir enquanto outro fantasma mata o personagem Y –, com uma carga de tensão e horror excelentes. Mas há outras em que você simplesmente quer acabar logo de uma vez por todas e se pergunta o que diabos aquelas descrições estão fazendo ali.

Quanto a outros quesitos, não tenho o que reclamar. Ainda consigo ver todos os personagens principais do livro – e alguns secundários que são absurdamente bem construídos –, mesmo depois de tê-lo terminado há quase uma semana. A construção vai evoluindo aos poucos e, na última parte - quando todo o mistério do livro é enfim revelado - já sabemos sobre todos os personagens e temos os nossos preferidos.

O livro não é cronológico. Seu texto é complexo, misturando memórias dos personagens em primeira pessoa – tendo como fonte principal os diários de Don Wanderley – com ações acontecidas no presente em terceira pessoa e as próprias histórias que a Sociedade Chowder conta. Isso, no entanto, não causa confusão: o texto é ligado de uma forma extremamente consciente e orgânica pelo escritor, que pareceu não ter esforço algum para criar um grupo tão coeso. Você realmente se sente em Milburn, enfrentando as nevascas que fecham as estradas e lidando com criaturas soturnas que te perseguem noite afora.

No fim, o que fica na memória é um livro assustadoramente agradável. Arrisque-se a lê-lo de madrugada, no silêncio sepulcral e só com uma lanterna em mãos. Eu te desafio.

Nota: O livro parou de ser editado no Brasil. Portanto, se você não tiver a mesma sorte que eu e encontrá-lo a preço de banana em um sebo, corra até uma biblioteca e tente achá-lo. Se nem assim você conseguir, tecle a alternativa B: procure pelo filme “Histórias de Fantasma”, lançado em 1981 e adaptado do livro de Peter Staub. O filme tem muitas diferenças do livro (muitas mesmo), mas pelo menos te dá um gostinho da história que, garanto, é imperdível.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Feliz Ano Novo - Rubem Fonseca

Nunca dei muito valor aos autores nacionais. Não sei exatamente o motivo: se é um tipo de repulsa involuntária, se descaso ou simplesmente falta de publicidade ou preços acessíveis aos livros brasileiro. No fim, tudo não passa de desculpas esfarrapadas, eu sei. Por isso estou tentando reverter esse processo degenerativo.

Já ouvi o nome Rubem Fonseca uma dezena de vezes – o cara é um dinossauro da literatura brasileira e seus livros são muito bem vendidos e criticados, obrigado –, mas parei realmente para prestar atenção ao nome após uma entrevista da escritora do livro ‘Gonzos e Parafusos’, Paula Parisot. O repórter fez uma pergunta acerca da troca de Rubem da editora Companhia das Letras para a Record, uma fofoca literária que dizia que a autora era a culpada pela tal troca. Ela disse que não e nada mais a declarar. Mais tarde, durante o tal do ‘bate-bola-jogo-rápido’, o repórter pergunta a ela: Raymond Chandler ou Rubem Fonseca?, e ela, rindo, responde: alguma dúvida? Rubem Fonseca!

Aí está. Não, nunca li Raymond Chandler – uma deficiência que pretendo suprir o quanto antes –, mas sou fascinado pela estética noir e pelos romances policiais. Tal comparação atiçou meus neurônios para ler o tal Rubem Fonseca. Nunca tinha lido nada nacional que rodasse no tema da literatura policial, e como precisava ter uma ideia de como giram os personagens pelas marginais paulistas e calçadões cariocas, resolvi que seria uma boa ideia lê-lo.

Comprei o livro que agora tenho o prazer de resenhar, ‘Feliz Ano Novo’, juntamente com ‘Agosto’, do mesmo autor, ‘Ed Mort e outras histórias’, uma coletânea de contos de Luis Fernando Veríssimo e um outro que já não me recordo o nome, sobre a história de Zuzu Angel, todos rodando pelo tema policial. Resolvi ler ‘Feliz Ano Novo’ em primeiro lugar. Não posso dizer que me arrependi. Nem um pouco.

O livro é uma união de contos, uns maiores, outros menores, mas todos muito rápidos, transitando sobre temas um tanto quanto impactantes a primeira vista: logo no primeiro conto – que dá título ao livro – somos apresentados a um bando de ladrões que discute irrelevâncias antes de partir para algum assalto na véspera de ano novo. Logo segue-se a ação, com uma sequência final bastante, er... não há outra palavra: impactante.

O livro gira em torno de ladrões, prostitutas, homens mal-amados e incompreendidos, mulheres inconsequentes e amarguradas. Não há um continuum ou algo que ligue os contos além da imundície – seja ela literal ou subjetiva – onde os personagens se encontram mergulhados: sempre desesperançosos, sempre à beira de um colapso ou sem um tostão no bolso. Os contos são bruscos, um choque à pacificidade do dia a dia, uma chacoalhada nos nervos e nas opiniões sobre quem pensa que o mundo é um lugar colorido e bonito de se viver.

‘Feliz Ano Novo’ é um livro que deixa atrás de si marcas para quem lê: seja para quem mastiga cada conto e extrai dele todos os seus significados e simbolismos, seja para quem – como eu – lê apressadamente no ônibus, com fones no ouvido e pessoas conversando em todos os lados. Não creio que o livro tenha uma mensagem definida ou alguma lição de moral para ser passada, não acredito que seja sua função, mas creio que, mesmo involuntariamente, ele deixa nem que seja uma nota de rodapé no subconsciente da gente: ‘o mundo não é bonito, fique sabendo. Ele é um lugar cheio de dores e de gente pronta para te sacanear à mínima piscadela. Portanto, fique alerta’.

Um soco na boca do estômago, acho que essa é a melhor forma de tentar definir o livro ‘Feliz Ano Novo’. Não é à toa que se trata de um livro altamente lido e bem criticado. Vale a pena ler cada parágrafo.