quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A Noite das Bruxas - Agatha Christie


É uma verdadeira compensação poder, depois de muito tempo, voltar a ler Agatha Christie. Passei muito tempo sem lê-la, mais por desinteresse de momento do que por outra coisa qualquer. Os romances policiais dela, juntamente com uma outra gama de autores best-sellers que até hoje estão no meu coração, foram um dos principais responsáveis pela minha inserção no mundo da leitura. Aos onze ou doze anos, lembro de ter lido "O Mistério do Trem Azul" - odiado pela autora e bem tosquinho, por sinal - e me maravilhado com Poirot e suas análises racionais. A forma como ele, ao fim da história, juntava todas as peças do quebra-cabeça de um jeito coeso era uma completa novidade para mim, que - como de praxe - fiquei boquiaberto com o fim do livro.

O tempo passou e já li cerca de vinte livros dela, desde o belíssimo "Assassinato de Roger Ackroyd" até o péssimo "Elefantes Não Esquecem", e sempre, sempre me surpreendi com o final de seus livros. Nunca, nem sequer uma vez, consegui descobrir quem era o assassino que o detetive Poirot, com tanta facilidade, desmascarava.

Com "A Hora das Bruxas" não foi diferente.

O enredo é soturno e instigante: durante os preparativos de uma festa de Halloween, a jovem Joyce, de apenas 13 anos - famosa por ser uma grande mentirosa -, diz que presenciou um assassinato, acontecido há muito tempo atrás, com o intuito de impressionar a escritora de romances policiais Ariadne Oliver. Ninguém acredita no que a jovenzinha diz, e, rindo e fazendo brincadeiras, deixam a história de lado, mesmo que a menina insista com veemência no que diz.

Ao fim da festa, o corpo da menina é encontrado na biblioteca, afogado em um balde usado para a brincadeira de pesca das maçãs. Atordoada, Ariadne chama pelo detetive Hercule Poirot, único em quem confia para desvendar o caso.

Agatha Christie tem o poder de seduzir o leitor. Os livros breves e gostosos de ler se passam velozmente; são daquele tipo que não se consegue largar até descobrir o final. Os cenários são vívidos, apesar do bucolismo inglês, com destaque, nesse livro, para os Jardins Suspensos (não os da Babilônia) descritos minuciosamente, peça fundamental para o desfecho da história.

Outra coisa que é bem agradável nesse livro é que, ao mesmo tempo em que Poirot tenta descobrir sobre o assassino de Joyce, desvenda o que a menina supostamente teria visto, fazendo uma ligação crível e convincente de dois assassinatos. Essa sensação de duas histórias em um livro tão curto só comprova a capacidade literária de Christie em conseguir produzir um número tão grande de suspeitos e personagens sem deixar nenhum detalhe de fora ou alguma ponta solta.

Quanto ao desfecho, não é um dos mais surpreendentes dela. Não sei se o tempo passou e me deixou mais exigente, ou se esperava mais do que o fim propôs, ou se simplesmente achei sem graça. A explicação foi boa, convincente, mas acho que soou muito normal. Não tem o UAU de "Roger Ackroyd" ou "Cinco Porquinhos", mas também não é extremamente entediante como "Elefantes" ou "Passageiro para Frankfurt".

Achei, no fim das contas, um romance muito bem construído com um final mediano (para os parâmetros Christie, é claro, o que não é pouca coisa).

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O Nome da Rosa - Umberto Eco

Faz tempo que não publico uma resenha no blog. Então, para começar o ano com o pé direito – quantas pessoas já falaram isso por aí? :P – vou falar sobre a minha segunda leitura do ano, que começou no meio do mês de dezembro e se arrastou até agora. Trata-se do já clássico “O Nome da Rosa”, do escritor italiano Umberto Eco.

Já no prefácio do livro (21ª edição da Nova Fronteira) damos de cara com a história de como o livro foi concebido, através de um manuscrito encontrado por Eco em uma de suas muitas viagens pelo mundo. E já dali conseguimos perceber como Umberto Eco escreve: de forma um tanto arrastada e erudita. Talvez espante os leitores mais casuais logo ali – me espantou da primeira vez que tentei ler o livro, há uns anos atrás – mas, ultrapassando-o, finalmente chegamos à história em si.

O livro conta a história de Adso de Melk, um abade que, já na sua velhice, escreve sobre os sete dias em que viveu trancado em um mosteiro, na Itália do século XIV. Durante esses dias, uma série de assassinatos leva Adso e seu mentor, Guilherme, a investigarem os acontecimentos, entre corredores escuros e a majestosa biblioteca, cheia de livros indecifráveis e grandiosos.

O enredo policial é extremamente bem feito e amarrado: a história é dividido em sete dias, e estes dias divididos entre os diferentes horários estabelecidos por nomes próprios (matinas, laudes, primeira, terceira, sexta, nona, véspera e completa). A história é instigante, mesclando romance policial moderno com um texto erudito.

E o texto é o ponto forte do livro: é escrito de forma a parecer com um escrito do século XIV, e consegue exercer a sua função. Viajamos entre imagens barrocas de demônios, deuses, seres fantásticos, imagens perturbadoras e sonhos intrigantes, ao mesmo tempo em que conseguimos nos ambientar nos momentos em que o protagonista descreve minuciosamente um cenário ou situação macabra. Mas, ao contrário do que se pode pensar, não é algo fácil de ler: durante muitos momentos, tive vontade de fechar o livro e rearranjar os pensamentos. É preciso tomar cuidado extremo para não acabar lendo o livro sem prestar atenção nas palavras, lendo no piloto automático.

Se pudesse destacar um ponto negativo (ao menos na minha edição) destacaria as dezenas de citações em latim, francês, espanhol, castelhano e tantas outras línguas que recheiam o livro e não são traduzidas, sequer nas notas de rodapé. Dá uma raiva imensa ter que pular partes tão grandes, músicas e poemas, mesmo que estes não façam muita diferença no produto final da leitura ou não tenham que ser traduzidas para manter um ar de mistério. Acredito que, se os trechos estão ali, é porque, de uma forma ou de outra, fazem parte da história. Não sei se todas as edições do livro são assim – acredito que não – mas acho um grande desrespeito o de não traduzir. Afinal, ninguém é obrigado a ser fluente em latim.

O livro, quando não aborda a sua trama em si, divaga sobre diferentes aspectos do papel da Igreja durante o século XIV, tudo sobre o ponto de vista dos monges. É incrível e espantoso ver o entendimento que Umberto Eco tem sobre todos esses assuntos: é nítida a imensa pesquisa que foi necessária, talvez de anos, para que cada um daqueles monólogos fosse feito. Alguns pecam pela prolixidade, outros acertam pela singularidade. Eu me perguntava, certas vezes, se Eco não teria vivido naquela época, visto todas aquelas coisas e escrito para nós, tamanhos são os detalhes incrustados no texto.

“Somente o bibliotecário, além de saber, tem o direito de mover-se no labirinto dos livros, somente ele sabe onde encontrá-los e onde guardá-los, somente ele é responsável pela sua conservação (...) somente o bibliotecário sabe da colocação do volume, do grau de sua inacessibilidade, que tipo de segredos, de verdades ou de mentiras o volume encerra. Somente ele decide como, e se deve fornecê-los ao monge que o está requerendo (...). Porque nem todas as verdades são para todos os ouvidos, nem todas as mentiras podem ser reconhecidas como tais por uma alma piedosa, e os monges, por fim, estão no scriptorium para levar a cabo uma obra precisa, para a qual devem ler alguns e não outros volumes, e não para seguir qualquer insensata curiosidade que porventura os colha, quer por fraqueza da mente, quer por soberba, quer por sugestão diabólica.”

– “O Nome da Rosa”, Umberto Eco (fragmento)

O livro é erudito, misterioso, instigante, certas vezes cansativo, na maioria simplesmente fantástico. Uma leitura difícil – ainda mais durante as madrugadas, quando a atenção não está lá 100% – mas gratificante. Tenho certeza de que, mesmo que o livro cause algum sofrimento à mente em algumas partes mais entediantes, será simplesmente inesquecível em outras (os sonhos de Adso, os assassinatos macabros, os discursos inflamados e o final vívido e interessantíssimo). Enfim, altamente recomendado para todos aqueles insistentes!

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Memória de Minhas Putas Tristes - Gabriel García Márquez

Não sou do tipo que vai a uma livraria com exatos dezesseis reais no bolso e compra um livro; também não sou do tipo que lê no ônibus no caminho de volta para casa; e tampouco sou do tipo que lê um livro inteiro em poucas horas.

Mas com o livro “Memória de Minhas Putas Tristes” quebrei todos esses meus paradigmas particulares. Estava na minha visita solitária ao shopping, na pós-sessão de cinema de “Up: Altas Aventuras”, e passei na livraria, munido de dezesseis reais livres – troco do ingresso, comes e bebes. Fiquei bastante tempo lá, lendo prefácios e orelhas de livros de bolso e de grandes editoras, resolvido a comprar alguma coisa com o dinheiro que tinha. Olhei, procurei, virei e revirei a livraria e peguei um dos exemplares de “Memória de Minhas Putas Tristes”. Dei de ombros e falei: ‘É você mesmo... é o mais barato daqui”.

Paguei, fui até a fila do ônibus e comecei a ler o livro logo ali, por total falta do que fazer – eram sete da noite e Niterói inteira parecia espremida naquele terminal rodoviário a caminho de São Gonçalo.

Logo que comecei a ler, ainda na fila do ônibus, fui invadido por sensações que dificilmente me invadem – ainda mais no caso de um livro tão pequeno e com letras garrafais como este, com uma gritaria dos infernos de “Bala! Pipoca! Salgadinho! Coca-cola é dois real!”.

Logo ao primeiro parágrafo, o personagem principal do livro fala de suas intenções. É possível perceber toda a melancolia de suas palavras. Com noventa anos, crítico musical e cronista de uma coluna semanal, o personagem principal é notadamente amargurado. Amargurado pela vida longa e aparentemente sem nenhum acontecimento importante; amargurado por uma solidão que se estende de seu nascimento até o dia de seu aniversário de noventa anos.

Tomado subitamente por um ímpeto, ele decide se dar de presente uma noite de amor com uma menina virgem e desconhecida. Para isso, liga para Rosa Cabarcas e deixa tudo acertado para o encontro com a menina. A partir daí, a trama se desenrola. Com maestria, como não poderia deixar de ser.

O lirismo de cada palavra de Márquez é indescritível. O texto, em primeira pessoa, carrega em si toda a solidão do personagem. Eu, particularmente, me pergunto se o próprio Gabo não se confunde com o personagem principal da história.

O livro trata, acima de tudo, sobre o amor. Sobre o amor tardio, sobre o amor não correspondido, sobre o amor platônico, sobre o amor paixão, sobre o amor e sobre o amar. São inúmeros adjetivos e substantivos que se confundem numa mescla de sentimentos e sensações que arrebatam o leitor de forma única.

“No ano de meus noventa anos quis me dar de presente uma noite de amor louco com uma adolescente virgem. Lembrei de Rosa Cabarcas, a dona de uma casa clandestina que costumava avisar aos seus bons clientes quando tinha alguma novidade disponível. Nunca sucumbi a essa nem a nenhuma de suas muitas tentações obscenas, mas ela não acreditava na pureza de meus princípios. Também a moral é uma questão de tempo, dizia com sorriso maligno, você vai ver. Era um pouco mais nova que eu, e não sabia dela fazia tantos anos que podia muito bem estar morta. Mas no primeiro toque reconheci a voz no telefone e disparei sem preâmbulos:

- É hoje.”

Memória de Minhas Putas Tristes, Gabriel García Márquez – Pág. 7

O romance desenhado pelas palavras de Márquez é um ultimato ao amor. Mesmo que tardio e de uma forma completamente inesperada, ele pode acontecer. Recomendadíssimo!

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Misto-quente - Charles Bukowski

Não sou profundo conhecedor do movimento beatnik nem conheço muitos escritores que aderiram a esse movimento. Para falar a verdade, Bukowski é o primeiro do gênero que leio. E posso dizer que, se todas as obras beatniks forem tão boas quanto “Misto-quente”, então vale a pena conhecê-las mais a fundo.

Mas vamos lá, pelo começo: conheci o Bukowski por acaso, num encontro chuvoso em Niterói pelo Campo de São Bento e Plaza Shopping com uns colegas que não tenho lá muito contato. São os integrantes do Lápis Autônomos, grupo do qual eu faço parte mandando textos (muito) esporadicamente. Um pessoal bem legal, cujo único propósito é escrever, sem fins lucrativos ou ideais muito traçados. É escrever para externar o que se sente, pra se divertir, pra gritar no silêncio das palavras.

Ok, deixemos o Lápis Autônomos para outro post e nos concentremos no Bukowski.

Comprei o livro “Misto-quente” nas minhas andanças pela XIV Bienal do Livro. A capa da editora é um tanto quanto sugestiva: um homem e uma mulher rolando pelo chão, seminus, brigando pelo controle de um telefone, enquanto no chão jazem uma garrafa que aparenta ser de bebida alcoólica e um cinzeiro com cinzas espalhadas para todos os lados.

E é exatamente como a capa que o livro segue em toda a sua história: sujo.

Não há melhor adjetivo para resumir o livro “Misto-quente” além desse: sujo. Seja nas palavras, nas ações, nos pensamentos do personagem principal ou no contexto no qual a história se desenrola, ela é suja do início ao fim.

O livro conta a história de Henry Chinaski Jr., desde sua infância até a vida adulta. Filho de um pai autoritário e uma mãe passiva, descendente de alemães e com um grave problema de acne, Chinaski não tem perspectiva de vida alguma. Passa pela crise de 1929 e pela Segunda Guerra Mundial se preocupando em quanto vai finalmente conseguir uma foda. Não tem sonhos de se tornar alguém na vida, mas, ao contrário disso, se conforma com o que a vida lhe deu e tenta se divertir ao máximo com isso.

É possível notar – até mesmo porque o próprio prefácio do livro o diz – que o livro tem toques autobiográficos. Quem conhece a biografia de Bukowski sabe que o apelido que ele nutre de velho safado não está aí à toa. Pra quem não conhece, vale a pena dar uma pesquisada. É bom ver quando o personagem e o autor se confundem; com isso, o texto se mostra ainda mais sincero.

Mesmo com toda a sujeira e agilidade do texto, “Misto-quente” traz um quadro interessante de uma época. Mostra o lado sujo e pobre dos EUA, o não-idealismo e o não-patriotismo praticamente inexistentes nos filmes ou livros mais ‘dentro do padrão norte-americano’.

Li o livro em três dias e percebi, na minha leitura particular, que a minha vida não é tão ruim assim, se comparada com a do Chinaski.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

O Vampiro da Mata Atlântica - Martha Argel

Martha Argel é bióloga com doutorado em ecologia das aves, e escreve, entre outras coisas, sobre vampiros. Meu primeiro contato com a autora foi daqueles por acaso, na prateleira de literatura brasileira – onde geralmente vislumbro os livros mas nunca os compro, com medo de me decepcionar. Li, entre Nelsons Magrinis e Andrés Viancos, um livro fino e de capa preta chamado “Relações de Sangue”. Isso foi em 2007, muito antes de vampiros voltarem a ser tema de mesas redondas. O livro me chamou a atenção: dei uma folheada, li o primeiro capítulo, achei-o simpático, mas – medo bobo de sovina – não o comprei.

Então o tempo passou e li que Martha Argel publicaria outro livro, dessa vez intitulado “O Vampiro da Mata Atlântica”. A divulgação foi feita na comunidade “Escritores de Fantasia”, onde – regra vigente nº 1 – quem divulga o livro deve colocar um para sorteio, e – regra vigente nº 2 – quem o ganhasse deveria fazer uma resenha. Pois é, ganhei o livro, e cá estou, resenhando-o.

O livro “O Vampiro da Mata Atlântica” (Idea Editora, 176 págs) é simpático em todos os seus aspectos estéticos. Desde a orelha brilhantemente escrita por Silvio Alexandre, passando pela capa chamativa e com um interessante efeito de movimento, até os seus apêndices sobre a Mata Atlântica e suas particularidades. A diagramação do livro é fantástica e cuidadosa, com pouquíssimos erros. Ponto para a Idea Editora.

Mas vamos ao livro em si. A história gira em torno de dois jovens pesquisadores, Xavier Damasceno e Júlio Levereaux (nome belíssimo, por sinal). Quando Levereaux recebe uma proposta para pesquisar e estudar uma área da Mata Atlântica com potencial para se tornar uma reserva ambiental, não pensa duas vezes antes de chamar o amigo Xavier Damasceno. Juntos, os dois partem em uma expedição que visa encontrar animais ameaçados de extinção.

Já no prólogo, o livro mostra a que veio. Ele é eletrizante. Começa com velocidade, prendendo a atenção do leitor e gerando a curiosidade necessária para que ele vire a próxima página.

Um dos pontos positivos do livro foi optar por um vampiro selvagem, longe dos moldes cavalheirescos de Stoker, Rice e Cia. Aqui, o vampiro é um animal da selva – sem, contudo, ser necessariamente selvagem –, sedento por sangue. Os trechos dos capítulos narrados pela ótica do Vampiro são ótimos, pois mostram que ele, apesar de toda a sede e necessidade de sangue, não é uma criatura desenfreada e irracional. Ao contrário, o texto o mostra como um ser pensante e digno de nota pelos pensamentos que tem. Dentre tantos vampiros educados e bonzinhos, o Da Mata Atlântica se destaca por seu egoísmo e necessidades eminentes acima de qualquer outra coisa.

Partindo para os dois personagens principais: a escolha de dois é significativa. Pelo ritmo do livro, percebe-se que, se mais alguém estivesse ali no meio, talvez a história se tornasse enfadonha. Dois, nessa situação, foi mais do que satisfatório. Aqui, o romance entre homem e mulher foi deixado de lado, dando lugar à amizade entre os personagens centrais – sem, contudo, parecer uma coisa homoerótica ao estilo ‘Lestat e Louis’.

A humanização dos dois é muito bem construída: eles passam longe de serem personagens superficiais ou mesmo sem graça. Ao contrário, mostram sempre com sinceridades seus pontos de vista, que passam pela inicial desconfiança de Xavier acerca dos propósitos de Levereaux até o medo dos dois pelo Vampiro – que não chega a se configurar em pânico, mas mais em dúvida e assombro para a nova situação com uma criatura até então fantasiosa.

O conhecimento de Martha Argel acerca de ambiente, fauna e flora é inegável. Ela mesma o relata no prefácio, falando sobre suas experiências pessoais e da forma como elas influenciaram algumas das passagens do livro. As descrições das matas, grutas e animais é nada mais que perfeita, dando credibilidade para o texto ao mesmo tempo em que nos faz emergir na história. No entanto, senti que esse conhecimento, às vezes, pode ser prejudicial. É claro que não afeta completamente a leitura, mas o excesso de termos técnicos e nomes que, para a biologia, podem parecer corriqueiros, em certas horas se tornam cansativos para os leigos e não-simpatizantes das ciências biológicas.

Outro ponto bem interessante – e do qual vou falar rápido, pra não soltar nenhum spoiler – é o final. A ideia usada foi muito bem feita e utilizada. Mas paro por aqui, ok?

“Ele corria pelo mato rindo como um alucinado. O sangue quente fluía vigoroso por seu corpo, e ele se sentia eufórico, quase como se estivesse bêbado. Suas mãos apertavam contra o peito o produto de seu saque.

Tinha se alimentado. Tinha se divertido. Tinha conseguido roupas novas.

Há muito tempo não se sentia tão bem.

E a farra estava apenas começando. Aqueles dois ainda iam penar muito nas mãos dele, nas longas horas de escuridão que ainda havia pela frente.”

O Vampiro da Mata Atlântica, Martha Argel – Pág. 93

O livro não cativa só por seu cuidado editorial. Ele é, sem sombra de dúvidas, uma das grandes estreias da literatura fantástica do ano. Martha Argel sabe o que está fazendo quando escreve, e é capaz de passar essa segurança ao leitor, que – tenho certeza – devorará o livro da mesma forma que o Vampiro da Mata Atlântica suga o sangue de suas vítimas: deliciosa e desenfreadamente.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Germinal - Émile Zola

O retrato social e natural dos mineiros franceses em um marco na literatura naturalista. É assim que posso começar a definir o genial "Germinal", de Émile Zola. O livro, lançado em 1885, mostra a vida e a miséria em meio a uma mina de extração de carvão. Lá, Etienne, recém-chegado, busca abrigo e emprego, e, com suas ideias revolucionárias e socialistas, tenta mobilizar os mineiros em busca de maior igualdade.

Mas Etienne não é o personagem principal do livro. Nem Chaval, Catherine ou Maheu. O personagem principal é a própria mina e as situações que a permeiam.

O livro é naturalista em sua essência. Conseguimos perceber, através da leitura, todos os pontos principais do movimento. A situação de pobreza e miséria parece não ter início e nem um fim: é uma situação constante e atemporal. No mesmo sentido, os personagens parecem conformados com sua situação de trabalho excessivo, fome e falta de espaço, como se isso fosse inevitável e inerente à sua natureza. Ali ninguém pensa em enriquecer ou em tentar um emprego melhor. Até porque a fome urgente e as obrigações no trabalho conseguem interromper qualquer linha de pensamento.

Mas deixarei de lado as definições naturalistas presentes no livro e passarei a narrativa propriamente dita. A escrita de Émile Zola é envolvente, e, mesmo que algumas vezes possa se tornar excessivamente descritiva, consegue transmitir com clareza suas propostas. Com as palavras, conseguimos sentir o sufoco das minas e das casas de um cômodo com catorze moradores; sentimos arrepio ao ver que eles não terão o que comer no dia seguinte, ou quando vemos que a mesma borra de café está sendo usada durante toda uma semana. Vemos, a todo momento, os traços de selvageria presentes na narrativa. Ali, o homem é como um animal (teoria Darwinista) e, como tal, suas ações eram produto de seus instintos.

"Estava feito; ele tinha matado. Confusamente voltavam-lhe à memória todas as suas lutas, esse combate inútil contra o veneno que dormia nos seus músculos, o álcool lentamente acumulado da família. E no entanto só estava ébrio de fome, mas o longínquo alcoolismo dos pais bastara para matar. Seus cabelos eriçavam-se com o horror daquele assassinato, e, apesar da revolta da sua educação, uma alegria fazia pulsar seu coração, a alegria animal de um apetite enfim satisfeito. Em seguida sentiu orgulho, o orgulho do mais forte. Surgiu-lhe uma visão, a do soldadinho apunhalado, morto por uma criança. Ele também havia matado."

- Germinal, trecho

Outta coisa que incomoda - no bom sentido da palavra - é o contraste social. Enquanto nas minas (onde a maioria do livro é ambientado) a situação é precária e urgente, na casa dos burgueses tudo anda as mil maravilhas. As mulheres usam vestes trabalhadas e caras, comem e desperdiçam, parecem bonecas de porcelana. As filhas do dono da mina, com 19 e 21 anos, parecem crianças na forma de falar e se comportar, enquanto que nas minas, as meninas, com 13 e 14 anos, já se submetem a trabalhos pesados e ao sexo desenfreado nas festas dos mineiros.

Germinal é um marco não só na literatura naturalista, mas sim na literatura mundial de um modo geral. Um genial retrato de um mundo permeado pelas desigualdades sociais e pelo conformismo.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Brisingr - Christopher Paolini

Chegando no final de 2008 nas livrarias brasileiras, o terceiro livro da série, “Brisingr”, vem em um trambolho de mais de 700 páginas em uma edição surpreendentemente bem-acabada da Rocco, com poucos erros em uma tradução aparentemente veloz (o livro chegou praticamente ao mesmo tempo nas livrarias norte-americanas).

Como muitos, acompanho a trilogia (que não é mais trilogia, diga-se de passagem) desde “Eragon”. Não é uma má série; a história tem, sim, muitos aspectos de “Senhor dos Anéis” e “Guerra nas Estrelas”, mas ainda assim tem seus méritos e funciona.

Em um mundo composto por humanos, elfos, dragões, anões e outras criaturas de universos fantásticos, “Brisingr” é o terceiro livro da saga “A Herança”. O nome do livro se refere à uma palavra da Língua Antiga que significa “fogo”. Foi esta a primeira palavra da Língua que Eragon aprendeu.

Pra quem nunca leu os livros e não conhece o enredo, aí vai uma brevíssima sinopse da parte essencial da história: Eragon, um camponês de quinze anos, é surpreendido ao encontrar, durante uma caçada, uma misteriosa pedra azul, que posteriormente se revela um ovo de dragão. O jovem camponês conhece, através de Brom (um contador de histórias do vilarejo) as histórias dos antigos Cavaleiros de Dragão, extintos há muito tempo pelo rei tirano Galbatorix. Com o nascimento do dragão de Eragon, o garoto passa a ser o único Cavaleiro em toda a Alagaësia.

Ao descobrir sobre Eragon e seu dragão (uma fêmea chamada Saphira), Galbatorix vê nisso uma ameaça ao Império. Com isso, Eragon, perseguido pelos vassalos do imperador, é obrigado a fugir, e parte, junto com Brom, até o abrigo dos Varden, um grupo formado por rebeldes ao Império.

No terceiro livro da série, Eragon, em aliança com os Varden, continua ao lado dos rebeldes contra o Império do rei tirano. Recheado de inúmeras batalhas, ossos expostos e sangue aos baldes, o livro é uma boa distração. No entanto, mais de 700 páginas são realmente desnecessárias.

O livro, no começo, não funciona. É extremamente cansativo e enfadonho (e há momentos em que a vontade de largá-lo só não falou mais alto por minha curiosidade de saber como tudo acabava). O autor gasta tempo demais com detalhes supérfluos do livro (fica quase um parágrafo inteiro pra descrever o nascer do sol, como a luz bate nas pedras e etc), e, nos momentos empolgantes, não gasta muito tempo para nos deixar apreensivos. Um dos momentos mais esperados desse terceiro livro não chega a durar duas páginas. Você chega a se perguntar: “É assim? Acabou?”.

Mas ele não é de todo ruim. Há cenas que empolgam (principalmente as lutas constantes e praticamente intermináveis de Roran – primo de Eragon – enquanto o Cavaleiro de Dragão está ausente), bem como acontecimentos importantes para o último livro. O que eu senti, ao ler Brisingr, foi que ele serviu apenas de ponte para o próximo (e espero que último) livro da série.

Outra boa tacada do autor, nesse livro, foi o de escrever capítulos sob o ponto de vista do dragão Saphira (coisa que não aconteceu nos dois volumes anteriores). Ele tenta passar sensações diferentes do ponto de vista dos humanos, com sentidos e imagens mais importantes do que descrições propriamente ditas. Uma boa jogada, que funcionou muito bem em determinadas horas.

Paolini tem uma escrita muito boa (apesar de, como já disse, ter achado “Brisingr” um pouco descritivo demais) e, com o decorrer do livro, torna as coisas até interessantes. O final chega a ser empolgante, comparado ao resto do mesmo. Mas, ainda assim, esse livro se mostrou ser o mais fraco dos três já escritos, funcionando nada mais nada menos para colocar uma meia dúzia de acontecimentos e lucrar alguns milhares a mais.

Com alguns méritos e muitos deméritos, “Brisingr” realmente poderia ser menor e terminar de uma vez por toda com a saga do menino camponês que encontra um ovo de dragão. Mas como as coisas nunca são do jeito que queremos, o máximo que se pode fazer é esperar e torcer para que o último volume finalize a série de uma forma interessante.