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terça-feira, 23 de março de 2010

Annabel & Sarah - Jim Anotsu


Quando ouvi o nome de Jim Anotsu pela primeira vez, logo pensei: ‘ora, então a editora Draco, dando os primeiros passos no mercado editorial brasileiro, já resolveu apostar em traduções de autores internacionais?’ Feita uma rápida pesquisa, logo descobri que Jim Anotsu, apesar de viver sob as pontes de Londres (correção: pontes de Seattle, como o Jim disse no comentário. Confundi criador e criaturas :P) e cuidar de seu cachorro Humbug, é o pseudônimo de um autor nacional.

Logo fiquei com os dois pés atrás, me perguntando qual era a finalidade de um pseudônimo como aquele: confundir os leitores, fazendo-os pensar que o livro é uma tradução e, com isso, tentar uma jogada de marketing para vender mais exemplares? Ter medo de mostrar o próprio nome, preferindo, ao invés disso, usar um pseudônimo que soasse melhor do que um sobrenome brasileiro comum? Talvez isso, a princípio, tenha me deixado um pouco receoso quanto ao livro em si.

Puro preconceito.

Após o lançamento oficial do livro, descobri que ele estava sendo muito bem recebido pelos leitores, com ótimas resenhas e críticas. Estava pronto para adquirir um exemplar, mas, para a minha surpresa e satisfação – e antes que eu enfiasse as mãos nos meus bolsos furados – fui premiado com um exemplar no sorteio da comunidade do Orkut “Escritores de Fantasia & FC”. Via de regra, devo fazer uma resenha para compensar o ganho do exemplar.

Tudo bem, eu a faria de qualquer forma mesmo.

O livro “Annabel & Sarah” (Editora Draco, 156 páginas) narra a história de duas irmãs gêmeas, mas muito diferentes. Annabel é uma rock’n’roll girl, com cabelos tingidos de preto, All Star sujo e uma personalidade extremamente sarcástica e irônica; Sarah é a menina que todo o pai pediu a Deus: calma, cálida, bela, extremamente educada e correta. Filhas de pais separados – Sarah morando com a mãe e Annabel com o pai – as duas são surpreendidas quando Sarah é seqüestrada por uma televisão e vai parar em um universo paralelo onde todos devem ser sempre felizes. Agora Annabel precisa unir forças a um lobo detetive e partir em busca da flor Amor-Perfeito, única coisa capaz de salvar Sarah.

A sinopse é, por si só, eletrizante. E o livro faz jus à sinopse: carregado de cenas de ação, ele te leva para os mais absurdos – e criativos – lugares. Sarah, em um mundo onde todos devem ser felizes (o que me lembra, a propósito, um episódio excelente do desenho “Os Padrinhos Mágicos”), comendo tortas de morango que aumentam o ânimo e tendo que lidar com fiscais que denunciam qualquer um que ouse derramar uma lágrima ou apresentar qualquer sinal de tristeza; Annabel, em contrapartida, para em um universo beat e noir, onde animais falam e humanos são mero rebanho para a alimentação. Lá, ela se une ao lobo Op Spade, detetive arisco e mal-encarado que aceita ajudar Annabel por intermédio de uma raposa chamada Dean Chinaski.

Não poderia deixar de comentar sobre as referências do livro: Chinaski, rua Kerouac, Spade, rua Bukowski, nomes de capítulos como “Corra, Sarah! Corra!”, citações a bandas, filmes e séries de TV... tudo casa extremamente bem com a atmosfera do livro. Em momento nenhum as referências parecem forçadas; muito ao contrário! Conseguimos, a partir dessas referências – que devemos pescar ao longo do livro, uma vez que nenhuma delas é completamente explícita – descobrir alguns dos gostos do autor (se do Jim ou do autor por trás do Jim nunca saberei dizer) e suas influências, que não são poucas.

Mas como nem tudo são amores-perfeitos e não se pode ser eternamente feliz, consegui captar algumas falhas ao longo de “Annabel & Sarah”: a principal talvez seja a pouca profundidade das personagens, de um modo geral. Mesmo que os artifícios do interlúdio tenham sido extremamente inteligentes para mostrar um pouco do relacionamento das duas irmãs, senti que outros personagens com histórias muito boas – como Op Spade, Ava Hepburn e Estrela-da-Manhã – poderiam ter as suas histórias um pouco mais aprofundadas. Op Spade me pareceu tão-somente um lobo rabugento e Estrela-da-Manhã uma menina birrenta.

Senti também que rolou um pequeno anticlímax na hora fatídica em que Sarah é sugada pela TV: tudo acontece muito rápida e repentinamente. Se o texto fosse em primeira pessoa, acharia esse artifício interessante, mas, por ser em terceira, acho que o narrador poderia se demorar um pouco mais antes que ela fosse tragada para o mundo de Allegria.

Outra pequena falha se deve à revisão: apesar de poucos, alguns erros – principalmente os de concordância – se tornam chatos com o passar das páginas. Mas não sou o melhor do mundo com gramática, portanto não posso reclamar muito quanto a isso.

No fim, temos a sensação de termos mergulhado em dois mundos completamente diferentes e divertidos, apesar de seus perigos. “Annabel & Sarah” é um romance delicioso, uma completa surpresa por se tratar de um autor nacional e tão jovem com tamanho tato para a fantasia e originalidade para a história.

No mais, coloque o CD “Favourite Worst Nighmare” do Arctic Monkeys para tocar e delicie-se com esse livro belíssimo e sensacional (eu não sei o motivo, mas sempre que vejo essa capa, a música “Teddy Picker” começa a tocar na minha mente. Acho que tenho que me tratar).

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Misto-quente - Charles Bukowski

Não sou profundo conhecedor do movimento beatnik nem conheço muitos escritores que aderiram a esse movimento. Para falar a verdade, Bukowski é o primeiro do gênero que leio. E posso dizer que, se todas as obras beatniks forem tão boas quanto “Misto-quente”, então vale a pena conhecê-las mais a fundo.

Mas vamos lá, pelo começo: conheci o Bukowski por acaso, num encontro chuvoso em Niterói pelo Campo de São Bento e Plaza Shopping com uns colegas que não tenho lá muito contato. São os integrantes do Lápis Autônomos, grupo do qual eu faço parte mandando textos (muito) esporadicamente. Um pessoal bem legal, cujo único propósito é escrever, sem fins lucrativos ou ideais muito traçados. É escrever para externar o que se sente, pra se divertir, pra gritar no silêncio das palavras.

Ok, deixemos o Lápis Autônomos para outro post e nos concentremos no Bukowski.

Comprei o livro “Misto-quente” nas minhas andanças pela XIV Bienal do Livro. A capa da editora é um tanto quanto sugestiva: um homem e uma mulher rolando pelo chão, seminus, brigando pelo controle de um telefone, enquanto no chão jazem uma garrafa que aparenta ser de bebida alcoólica e um cinzeiro com cinzas espalhadas para todos os lados.

E é exatamente como a capa que o livro segue em toda a sua história: sujo.

Não há melhor adjetivo para resumir o livro “Misto-quente” além desse: sujo. Seja nas palavras, nas ações, nos pensamentos do personagem principal ou no contexto no qual a história se desenrola, ela é suja do início ao fim.

O livro conta a história de Henry Chinaski Jr., desde sua infância até a vida adulta. Filho de um pai autoritário e uma mãe passiva, descendente de alemães e com um grave problema de acne, Chinaski não tem perspectiva de vida alguma. Passa pela crise de 1929 e pela Segunda Guerra Mundial se preocupando em quanto vai finalmente conseguir uma foda. Não tem sonhos de se tornar alguém na vida, mas, ao contrário disso, se conforma com o que a vida lhe deu e tenta se divertir ao máximo com isso.

É possível notar – até mesmo porque o próprio prefácio do livro o diz – que o livro tem toques autobiográficos. Quem conhece a biografia de Bukowski sabe que o apelido que ele nutre de velho safado não está aí à toa. Pra quem não conhece, vale a pena dar uma pesquisada. É bom ver quando o personagem e o autor se confundem; com isso, o texto se mostra ainda mais sincero.

Mesmo com toda a sujeira e agilidade do texto, “Misto-quente” traz um quadro interessante de uma época. Mostra o lado sujo e pobre dos EUA, o não-idealismo e o não-patriotismo praticamente inexistentes nos filmes ou livros mais ‘dentro do padrão norte-americano’.

Li o livro em três dias e percebi, na minha leitura particular, que a minha vida não é tão ruim assim, se comparada com a do Chinaski.