sábado, 27 de novembro de 2010

O Centésimo em Roma - Max Mallmann


Tenho para mim que o estilo romance histórico é o que demanda mais trabalho para um autor, não só na já tradicional pesquisa minuciosa para reproduzir o modo de vida de uma época remota e muito distante, mas também para tornar a história autônoma, fazer com que ela pulse vivacidade pelos personagens, suas ações e a atmosfera que os envolve. Do contrário, tudo se transforma em uma aula chata e maçante de História.

É nesse ponto que o autor sul-rio-grandense-carioca Max Mallmann consegue se destacar: é notável – e admirável – toda a pesquisa que envolve o conteúdo do livro ‘O Centésimo em Roma’ (editora Rocco, 424 págs). Sentimos o cheiro das vielas romanas e a textura das togas de seda tão desejadas pelos plebeus, assim como rimos e choramos das tragédias e desventuras pessoais de cada um dos personagens sem que a História (com H maiúsculo) seja a protagonista do romance, mas apenas sua assistente pessoal. Lendo a parte final do livro, na qual o autor descreve os modos e os métodos de que se utilizou para a pesquisa histórica de seu romance, não podemos duvidar da paciência, força de vontade e curiosidade de Max Mallmann.

Vamos ao romance: de volta de uma campanha na Germânia que lhe conferiu a alcunha de ‘Carniceiro de Bonna’ (rumores afirmam que ele chacinou toda uma cidade repleta de crianças, mulheres e idosos sem piedade ou remorso), o centurião Desiderius Dolens se vê em uma Roma decadente, poluída de governantes corruptos e moscas insistentes por voar em rostos alheios. Ambicioso, Dolens tem a pretensão de ascender socialmente para se tornar um cavaleiro da guarda real, mas suas dívidas e sua falta de contatos proíbe que ele consiga atingir seus objetivos. Ao invés disso, ele é designado para comandar uma das coortes urbanas (um tipo de guarda urbana), fatia mais baixa e decadente dos postos militares.

O assassinato de um senador leva Dolens a investigar um grupo de religiosos fanáticos que têm como figura princial um homem preso em uma cruz (a.k.a. cristãos), principais suspeitos pelo crime. E, durante essa investigação, Dolens vê desfilar a sua frente um grupo de personagens que podem ajudá-lo ou atrapalhá-lo em sua tão sonhada ascensão. O centurião não está interessado em resolver o mistério, mesmo com as insistentes investidas de Nepos, filho do senador assassinado e braço direito de Dolens.

Apesar da orelha do livro tratar o assassinato como tema principal do livro, a trama de ‘O Centésimo em Roma’ não se concentra na resolução do crime do senador. O romance prefere mostrar o cotidiano de Dolens e dos personagens que o envolve, bem como suas tramas políticas, suas decisões insanas e seus exageros homéricos (sim, eu me permiti esse trocadilho infame).

Os personagens são, de longe, a parte mais interessante da história: constroem-se aos poucos, apesar de serem muitos. Somos apresentados à escravos, imperadores, cachorros mancos, pigmeus e bois torturados com a mesma paixão e bom humor. Apesar de Dolens ser o personagem principal, não há como não ser cativado pelas ações da curandeira Eutrópia, da escrava Olívia ou do pobre coitado Nepos, sempre levado a limpar latrinas.

A dinâmica do livro também é interessante: mistura dois tipos de texto, sendo o primeiro o do romance tradicional, com diálogos sobre diálogos e descrições sobre o que acontece na hora em que a história é contada; e o segundo com um estilo mais formal e histórico, um tipo de biografia histórica e fictícia que conta a História de Desiderius Dolens sob a perspectiva de Nepos. A princípio, achei a narrativa um pouco maçante e demorada, mas foi questão de tempo até que me adaptasse a ela.

Outro fator que não poderia deixar de lado é o humor que a história traz impregnada em cada uma de suas páginas. Há momentos em que você deve se segurar para não soltar uma gargalhada - principalmente se estiver lendo o livro em transportes coletivos. Cenas como a de Dolens presenciando um ritual cristão ou mandando o pobre coitado do Nepos limpar latrinas (mais uma vez!) são simplesmente imperdíveis.

A miscelânia entre personagens e situações fictícias e reais é de fazer o queixo cair. Sou um conhecedor tão bom de Roma quanto sou de entropia, por isso fiquei realmente surpreso quando percebi que todos os quatro imperadores que desfilam por Roma durante o romance realmente existiram e que Max Mallmann tentou retratá-los da forma mais fiel que as fontes históricas os descreviam – um era mais louco que o outro, é impressionante. Essa mescla entre ficção e realidade e essa confusão de não ter certeza absoluta sobre o que é história e o que é História deixa as coisas ainda mais interessantes.

Enfim, creio que não preciso de mais recomendações positivas para que você corra atrás desse livro e o leia o quanto antes. O que está esperando, que Roma pegue fogo de novo? (Oh, não, mais trocadilhos imbecis?! Desculpe, eu juro que é o último).

Tenham uma excelente leitura e vivam um pouquinho do século I. Não tenho dúvidas de que será uma ótima experiência.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A Passagem - Justin Cronin

De uns tempos para cá, o mercado editorial de ficção especulativa (que engloba fantasia, ficção científica, terror e outras ótimas bizarrices) vêm crescendo de uma forma assustadoramente boa. Grande parte desses lançamentos tem um público-alvo específico: geralmente jovens, dos seus doze aos dezesseis anos, que ainda estão se acostumando com a literatura e querem ver coisas que despertem o seu interesse imediato. Aí entram vampiros que se apaixonam, manuais de sobrevivência para se adequar a um mundo de zumbis, escolas de bruxos, anjos versus demônios, etc, etc e etc.

No meio de todos esses livros com adolescentes cheias de amor pra dar e hormônios a flor da pele, talvez o livro ‘A Passagem’ tenha passado despercebido. Não sei exatamente por qual motivo não se falou muito sobre esse lançamento. Talvez seja sua capa, que mais parece uma continuação do livro ‘A Cabana’ do que qualquer outra coisa; ou quem sabe a sua tímida divulgação por parte da editora Sextante; ou ainda por não se adequar exatamente a esse mercado adolescente que já mencionei.

O livro tem tudo para fazer sucesso: um enredo interessante, comentários positivos de autores consagrados – como a recomendação do mestre do terror Stephen King logo na quarta capa do livro – e um texto fluido e cativante logo nas primeiras páginas.

Vamos a ele: “A Passagem” (Editora Sextante, 2010, 815p.) se passa em um universo pós-apocalíptico, onde um grupo de sobreviventes tenta conviver em harmonia com um mundo hostil e infestado de vampiros.

É isso o que diz a sinopse, mas essa é apenas a segunda parte dessa história. O livro, na verdade, começa de modo tímido e suave, desconstruindo um pouco a ação e a velocidade que a sinopse promete. Logo nas primeiras páginas, somos apresentados à garotinha Amy, a Garota de Lugar Nenhum, Aquela Que Surgiu, A Primeira, Última e Única, a que viveu mil anos (e não se preocupem que nada disso é spoiler, pois está logo no primeiro parágrafo do livro). Amy é uma menina rodeada de mistérios que logo se vê transformada na décima terceira e última cobaia de um projeto governamental denominado Projeto Noé, que consiste em analisar o comportamento de um vírus que, a princípio, trataria doenças e serviria como ‘fonte da juventude’ para a humanidade. Para esse propósito, doze criminosos no corredor da morte (e Amy) são destacados para servirem de cobaias humanas. O vírus dá longevidade anormal, resistência a doenças, força e inteligência acima da média, mas possui efeitos colaterais, tais como hipersensibilidade a luz e um único ponto fraco localizado logo abaixo do esterno.

Aí acontece o que todo mundo espera que aconteça: dá merda. As cobaias escapam e se espalham pelo globo, fazendo aquilo que mais gostam: caçar e infectar outros humanos. Pouco a pouco, Amy, na companhia do agente do FBI Wolgast, vê o mundo se transformar em um lugar perigoso e hostil à sobrevivência humana.

Só então chegamos à segunda parte do livro (e lá se vão umas 300 ou 400 páginas): passam-se uma centena de anos e somos apresentados a uma colônia humana perdida no meio do nada, protegida por muros e eletricidade precária, prontas a atirar em qualquer vampiro que passe de certo ponto. Ou, como eles mesmo dizem quando se referem às criaturas, ‘virais’, ‘saltadores’ ou ‘fumaças’. As denominações são variadas.

Mas paro de falar no enredo por aqui para não estragar possíveis surpresas. Prefiro me ater ao que realmente interessa: afinal, ‘A Passagem’ é um livro de qualidade? Merece ser lido? É original?

Como os últimos serão os primeiros, vamos tratar primeiro da originalidade da trama: aos meus olhos pouco treinados, a sinopse me pareceu uma cópia em xilogravura de Resident Evil: a Umbrella Corporation o governo faz um experimento com um T-vírus vírus, ele foge ao controle e cria uma horda de zumbis vampiros sanguinários e sedentos por alimento. Uma garota chamada Alice Amy, no entanto, mantém todas as vantagens e poucas desvantagens de ser infectada.

(o parágrafo acima foi feito com base nos filmes pela total inabilidade deste que vos fala em jogar algum jogo de zumbis até o fim)

Apesar da falta de originalidade evidente, o livro, como já comentei, possui uma escrita agradável e fácil, daquelas que o leitor pega e só larga quando os olhos não aguentam mais ler. E grande parte desse cativo se dá por conta dos personagens: eles sim são cuidadosamente construídos e muito bem guiados pelo autor. Apesar de alguns servirem de figuração e serem mero gado de saltadores, os principais estão ali, com seus dramas e suas dúvidas, suas imersões e suas reflexões sobre o futuro, seus medos com o que está do outro lado do muro e de até quando conseguirão sobreviver sob aquelas condições precárias.

Se você está procurando um livro que mude a sua vida e seja uma primazia de originalidade, talvez “A Passagem” te decepcione um pouco. Mas se você quer ler para se distrair, se empolgar com uns tiros e uns bons sustos literários, vale muito a pena desembolsar uma graninha por ele.

P.S. Aos cinéfilos de plantão, fiquem ligados na cena em que o grupo assiste ao filme ‘Drácula’, de Ted Browning. Por ser o único filme disponível no acervo, o grupo que o assiste repete cada fala de cor, de começo rindo e levando pouco a sério, mas pouco a pouco imergindo no filme até que todos o estejam contemplando de forma total e absoluta. Uma das melhores cenas do livro, certamente.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A Culpa é do Fidel!

Bem, sei que estou a um tempo considerável sem postar nada por aqui. Eu devo desculpas aos meus dois leitores e meio e não tenho nenhuma justificativa que não seja preguiça. Mas devo jurar, senão a mim mesmo, pelo menos a vocês que me leem, que pretendo deixar as coisas aqui mais... periódicas. Estou até bolando uma listinha de quando escrever e o que escrever, mas não vou colocá-la agora por ainda estar em fase de teste.

Desculpas colocadas, vamos ao que interessa. Como todos já devem ter percebido – ou não –, o meu foco nesse blog tem sido majoritariamente sobre os livros. Mas não sei se estou conseguindo fazer um bom trabalho: dependendo do meu humor e do estado cósmico do universo, demoro entre três dias e três meses para conseguir terminar um livro, e isso gera uma lacuna gigantesca entre os posts. Tem horas que o lugar parece literalmente largado às traças. Não é bem assim. Apesar de ser um apaixonado por livros, não devoto minha vida inteiramente a eles. Também vejo filmes, leio quadrinhos, jogo videogame, assisto séries, ouço música, enfim... faço tudo o que uma pessoa normal faz (será?).

Então pensei: ‘já que eu faço tanta coisa além de ler, porque não trazer tudo para cá?’ E hoje pretendo começar a mudar um pouco as coisas por aqui. A começar pelo filme que vi dia desses e decidi que seria uma ótima indicação: ‘A Culpa é do Fidel!’

O que mais me chamou a atenção no filme foi o título bastante sugestivo. Antes de ver qualquer comentário ou sinopse, fiquei com o pé atrás da orelha. Afinal, o que era culpa do Fidel? O socialismo, a morte de Che, os charutos cubanos, a Terceira Guerra Mundial? Curioso, mas ainda assim preguiçoso, esqueci do filme durante um tempo, mas em uma noite absolutamente entediante, decidi que seria uma boa ideia vê-lo.

Não me arrependi. O filme (de origem francesa, a propósito, e não latina, como pode parecer a primeira vista) conta a história de Anna de la Mesa, uma menininha de nove anos que tem tudo o que uma família de classe média dos anos setenta tem: uma casa com um jardim, aulas em um colégio católico, um irmãozinho e uma empregada cubana que tem um ódio mortal de comunistas. Nesse quadro um tanto típico e familiar, Anna tenta se destacar sendo a primeira aluna da classe, a nadadora mais aplicada do time e a menina mais questionadora do mundo. A analogia pode não ser muito adequada, mas não pude deixar de pensar na Mafalda em cenas específicas do filme.

Tudo ia muito bem na vida de Anna até que, um dia, a tia e a prima da menina chegam refugiadas da Espanha, após o assassinato do tio, um militante contra a ditadura de Franco. A partir daí, tudo vira de cabeça para baixo: os pais de Anna, interpretados por Stefano Accorsi e Julie Depardieu, se engajam na causa socialista, obrigando a menininha a rever todos os conceitos sociais com os quais aprendeu a conviver desde que nasceu.

A graça do filme está no tom ingênuo e aborrecido com o qual Anna vê tudo a sua volta mudar: de uma hora para outra, eles se mudam da grande casa para um pequeno apartamento, sempre cheio de homens barbudos e descabelados; Anna é obrigada por seus pais a sair das aulas de religião e não pode nem mesmo ler os gibis do Mickey, considerado por seu pai como “um símbolo fascista de poder”.

Adaptado do romance Tutta Colpa di Fidel, da jornalista italiana Domitilla Calamai, o filme tem momentos engraçadíssimos, como quando a câmera focaliza-se sobre a barba do pai de Anna e ela enfim percebe que ele se tornou um comunista, ou quando uma amiga de Anna, convidada a dormir no pequeno apartamento da menina, vislumbra o pai da garota emburrada trocar de roupa e, pela primeira vez, vê um pênis. Tudo com uma ingenuidade absurdamente verossímil e agradável.

Essa dicotomia surpreendente é o que mais agrada: enquanto todos, nos idos de 1968, queriam as revoluções sociais e as revoluções econômicas, uma menininha aborrecida não vê sentido nas coisas que acontecem, questionando tudo o que lhe cerca. Um filme curto mas divertido, ‘A Culpa é do Fidel!’ é o filme ideal para que os de sangue revolucionário tenham uma visão diferente do mundo, mesmo que sob o foco de uma garota de nove anos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Não tive coragem de não postar

Tá ok gente, eu sei que vocês são gente que provavelmente não acredita nessas coisas. Mas eu acredito. Hoje, ao abrir a minha caixa de e-mail, encontrei isso. Eu sei que não é muito a proposta do blog, mas não tive como deixar de postar isso aqui. Aí vai:

“Olá,
Meu nome é Bruna e tenho dezesseis anos. Gosto de trocar mensagens, conhecer pessoas pela Internet e adorei seu blog. Por isso, escolhi você para ser meu novo amigo. Eu acredito que vamos nos dar muito bem.
E para isso acontecer, poste esse email no seu blog. Torça para ter sete comentários, ou então você terá MUITO azar.
Se não postar? Vai ser muito pior. Mas você não faria isso.
Você não recusaria o pedido de uma morta, né?”
Isso pode parecer um pouco estúpido, eu sei. Mas depois de ver o vídeo abaixo, vão entender porque eu tive que fazer isso.

E por favor, COMENTEM, não quero que nada disso me atormente!

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Neon Azul – Eric Novello

Seja benvindo ao Neon Azul. Qual é o seu desejo?

“Neon Azul” (Editora Draco, 166 p.) é o mais novo lançamento do autor carioca Eric Novello. Lançamento bastante aguardado por mim, devo confessar. Em primeiro lugar, por se tratar de um romance de fantasia urbana, gênero ainda tão pouco difundido nos livros de literatura nacional; em segundo, pelo tema envolvente e pela atmosfera sedutora que o livro, desde antes do seu lançamento, criou.

Deixe-me explicar: Neon Azul é o nome de um clube, boate, inferninho ou bar (escolha um dos substantivos ou use-os todos de uma vez, não faz tanta diferença assim) localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro. Um lugar onde os desejos mais íntimos e particulares afloram de forma perturbadora, no convívio com notas de piano e drinks luminescentes. Entre as figuras frequentadoras do bar, encontramos um homem que nunca dorme, um advogado com um boneco de estimação dentro de uma garrafa e um mendigo com um passado bastante intrigante. E como figura principal temos ‘O Homem’, criatura incógnita de chapéu panamá e anéis nos dedos, sempre com uma proposta irrecusável para os seus clientes.

É nesse clima de fumaça de cigarros, reflexos de espelhos e néon azulado que somos apresentados aos dez contos do livro. Neles, os personagens e as histórias se cruzam de forma não-cronológica, deixando o leitor confortavelmente confuso. O formato fix up torna tudo ainda mais interessante: é um livro sem início ou fim, que pode ser lido em qualquer ordem sem que sua essência seja perdida.

“Neon Azul” não é nem de perto um livro feliz. Os personagens são pessoas que apanharam da vida e estão sem rumo, perdidas por entre lágrimas e solidão. E essa ausência de chão, de ter algum lugar em que se firmar, é assustadoramente real e – acredito – compatível com o que muitas pessoas sentem. O Neon Azul é a fuga da tristeza, a alternativa para aqueles que estão cansados de se sentirem sós, e ‘O Homem’ é o objeto materializador desses anseios e desejos. No entanto, tal qual um agiota, ele sempre cobra juros altíssimos por seus empréstimos de felicidade momentânea.

A fantasia se apresenta de forma muito sutil em “Neon Azul”. Não sabemos se ela de fato existe ou se é mera especulação dos personagens, produto de suas mentes e de seus delírios. Essa sensação suspensa de dúvida, de não saber exatamente o que ou como as coisas acontecem, torna a história mais atraente. O autor não desafia a inteligência do leitor com explicações minuciosas sobre os acontecimentos; prefere, ao invés disso, deixar que cada um tire uma conclusão e uma interpretação própria.

Outra coisa que adorei no livro foram as referências, que vão desde Charles Chaplin e Orson Welles até Massive Attack e Jay Vaquer. Eric sabe colocar as suas influências cinematográficas, musicais e artísticas no lugar certo. Quem não ficou com ‘Só tinha que ser com você’ retumbando na cabeça depois de ler a história de Jéssica? Eu fiquei.

E a Editora Draco, como sempre, dá um show na produção editorial – e eu não vou me cansar de dizer isso. A capa está maravilhosa e a apresentação dos contos também. É quase como se você pudesse ver as luzes em néon se acendendo depois daquela piscadela e daquele barulho da corrente elétrica atravessando os fios.

“Neon Azul” é um livro que não deve ser lido apenas uma vez. É cheio de paixões, amores e desastres e, apesar da solidão e da amargura que os personagens sentem, é daqueles que você não consegue parar de ler até que chegue ao fim.

E aí reside outro grande problema: o livro não tem fim nem começo. Posso, então, dizer que cheguei ao fim?

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Anacrônicas - Ana Cristina Rodrigues

Ir ao Fantasticon 2010 foi uma das melhores coisas que pude fazer esse ano. Esse pequeno fim de semana na seca e poluída cidade de São Paulo me fez conhecer muita gente que antes era apenas uma janelinha de MSN ou uma carapaça de aparente mau humor e ironia. Saímos, conversamos, nos conhecemos melhor e eu me diverti como não fazia há MUITO tempo. E, nesse meio tempo, comprei muitos livros – mais do que o meu cartão de crédito podia aguentar.

No entanto, o livro Anacrônicas (Editora A1, 90p.) não foi comprado junto com o montante da Fantasticon. Ele foi comprado há muito tempo atrás, mas, por incompetência dos nossos honoráveis correios, nunca chegou em minha residência pelas mãos de um carteiro. Tive que esperar um tempo considerável para tê-lo em mãos e, só depois de conhecer a Ana Cristina Rodrigues pessoalmente, é que o tenho dedicado e autografado, e posso finalmente emitir a minha opinião sobre os pequenos escritos – mesmo que muitos já o tenham feito antes de mim (e provavelmente melhor).

Antes de tudo, um parêntese sobre o trabalho editorial do livro: ele é lindo. A capa e as ilustrações internas, desenhadas pelo quadrinista e marido Estevão Ribeiro, são um deleite aos olhos. Como não se apaixonar pelo coelho indo lentamente embora e imprimindo suas pegadas no chão no conto “O mapa para a Terra das Fadas”? Ou com a pose mista de força e ternura de Liliane no conto “A Dama de Shalott”? Sem contar com as outras figuras, entre dados, coelhos, relógios e repórteres de jornal.

Outro parêntese: talvez por ter sido um livro feito longe de uma editora grande e de um editor responsável por não ter outra preocupação a não ser vendê-lo, Anacrônicas se torna um relato bastante particular. Seja nos contos pessimistas ou nos alegres, a personalidade da autora consegue se imprimir em cada um deles. Historiadora, mãe, irônica, feliz, triste, mulher. Tudo se junta numa pequena mas significativa quantidade de páginas.

Parênteses feitos, vamos aos contos.

***

É Tarde!

Abrindo a antologia de pequenos contos mágicos, uma história singela e simples, com um ritmo assustadoramente rápido e nostalgicamente delicioso. Em menos de uma página, somos apresentados aos personagens mais significativos do País das Maravilhas e nos enveredamos pela corrida do coelho branco. Com um final um tanto quanto... bem, leiam!

Chiaroscuro

Um conto fluido, com um título interessantíssimo e uma história ainda mais interessante. O jogo de cores e contrastes se mostra bastante presente aqui. O conto mais parece uma obra de arte que ora tende ao chiaro e ora tende ao ‘scuro. Ideia sensacional!

A Princesa de Toda a Dor

Triste e lírico. Daqueles contos que te deixam com um gostinho de fel na boca, com uma vontade de interferir na vida das personagens e de mudar o destino que a autora deu a eles.

O Último Soneto

Igualmente triste, fala sobre a obsessão por um ideal. Me identifiquei absurdamente com esse conto: a agonia, o tédio, o raciocínio, a apreensão, tudo em prol de uma única obra – no caso, o soneto.

A Casa do Escuro Azul

Um conto que facilmente poderia se tornar uma coisa maior. Um romance, uma trilogia, uma saga. A ideia é ótima: após a Guerra Final, um grupo denominado Escudo Azul fica responsável por buscar no planeta grandes obras de arte da humanidade. Algumas coisas me pareceram um pouco inverossímeis, como “portões sempre abertos, pois não há necessidade de se temer depredações” (sic). Não confio muito nos humanos, antes ou depois de uma Guerra Final.

E o final... ah, que final bem sacado!

Vida na Estante

Menor conto do livro, e meu preferido. Demonstra que as traças são muito mais racionais que alguns seres humanos: às vezes um best-seller é mais delicioso e agradável ao paladar do que um grande clássico envolto em formol e erudição.

Os olhos de Joana

A pesquisa histórica desse conto é invejável, mas ele não entra na minha lista de preferidos. Apesar de não se mostrar confuso, o conto não me absorveu como leitor. Talvez sejam o excesso de nomes, talvez a história de Joana D’Arc não me empolgue muito. Acho que é mais questão de opinião, sabe.

O Senhor do Tempo

Outro pequeno e pessimista conto. Mas extremamente verdadeiro. Nem mesmo Deus acerta todos os chutes, não é mesmo?

Deus embaralha, o Destino corta

Falar sobre felicidade não é das tarefas mais fáceis, mas você se saiu muito bem nessa, Ana.

Feitiço sem Nome

Mediano, um conto com um enredo até bastante normal. Não tenho muito o que falar sobre ele.

A Dama de Shalott

Um dos maiores e mais bem elaborados contos do livro. Conta a história de Liliane, uma menina que não conhecia o mundo e vivia enclausurada, tecendo bordados com as imagens que via pelo espelho de seu quarto – uma vez que olhar diretamente para Camelot lhe traria uma maldição terrível.

O conto é fluido e ritmado, e seus parágrafos – praticamente de mesmo tamanho e com uma terminação rimada – mostram que, além de saber contar uma boa história, Ana Cristina também sabe construir uma narrativa que mistura de tudo um pouco e, entre o tudo e o pouco, colocar uma pitada de magia e uma colher generosa de competência.

Como nos tornamos Fogo?

Outro que não fui muito com a cara. Não sei, acho que narrativa não me atraiu muito, ou a minha compreensão pode não ter sido assim tão completa. Aqui o erotismo e a união entre duas naturezas diferentes não funciona tão bem como em “Chiaroscuro”.

Pelo espaço de um momento

Uma história gostosa de ler, ao mesmo tempo real e fantástica, com um quê de nostalgia impresso no tom da história. O retrato do menino me fez lembrar Dorian Gray.

Borboleta

Uma forma bastante interessante de exorcizar demônios e tristezas. Para aqueles que desejam fazer isso, esse conto é interessantíssimo. Já eu, apesar de não fazer origamis, tenho meus demônios em forma de papel. Estão todos nos meus cadernos, longe da minha cabeça e dos meus pensamentos.

Viagem à Terra das Ilusões Perdidas

Divertido e leve de se ler, um enredo bastante inusitado e uma história mais inusitada ainda. Não há idade para ir à Terra das Ilusões Perdidas.

O Baile de Máscaras

Máscaras são coisas que me chamam a atenção, sempre. Escrever sobre elas não é fácil, visto todas as implicações filosóficas sobre seu uso. Mas esse conto ficou incrível. O final foi eficaz e surpreendente.

Lenda do deserto

A ilustração é essencial para a complementação do conto, e consegue satisfazer perfeitamente a intenção. E a história é boa, mas figura na lista de medianos.

O mapa para a Terra das Fadas

É nesse conto que Ana Cristina se doa mais – ou assim nos parece fazer. O fato de ser uma história real só aumenta a impressão de verdade e sinceridade que a autora imprime em seus contos. Na história, Ana e seu filho, Miguel, tentam guiar a alma de um coelhinho morto para a Terra das Fadas, onde será bem cuidado pelos seres mágicos.

Emocionante e belo, o conto figura na minha lista de preferidos.

O eremita

Um conto singelo que trata sobre as convicções de um homem elevadas às últimas consequências. Trata de esperança, pois mostra que um homem pode mudar o pensamento de outros homens de uma forma positiva. E também de desesperança, por mostrar que os homens de poder dificilmente perdem a majestade – sobretudo para um eremita.

Apocalipse NOW!

Uma forma um tanto quanto inusitada de se assistir ao fim do mundo, sentado confortavelmente no sofá da sala enquanto o locutor anuncia a chegada das bestas do apocalipse. Mas, pensando bem, acho que é o que muita gente vai fazer – e muitas emissoras também, na luta final pela audiência.

Conto Bônus: O Sábio de Osgoroth

A anta aqui precisou ler o conto duas vezes pra poder pegar a sacada dele. Mas, depois que entendi (duh!) achei incrível a forma como se desenvolve. E o final é muito, mas muito interessante.

***

A impressão que se tem, ao terminar de ler Anacrônicas, é a de que você visitou um milhão de mundos distintos em apenas algumas agradáveis horas de leituras. E que valeu a pena sentar durante algum tempo e deixar se perder pelas reentrâncias de um livro tão pequeno, mas ainda assim tão complexo e completo. A Ana está de parabéns.

E que venham outros!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A Leste do Éden – John Steinbeck

Não sei se isso acontece com vocês, mas vez ou outra eu paro e me pergunto qual seria o meu escritor preferido. É uma cosia que nunca consigo responder. Os livros que leio são bons, alguns até mesmo geniais, mas nunca são daqueles que me marcam ou significam grande coisa para minha formação. Leio diversos autores, mas preferidos, somente um ou dois, daqueles que você precisa ler avidamente até o fim, segurando os livros como pedras preciosas para só largar depois que as últimas páginas terminam.

Com meu primeiro livro de John Steinbeck, posso dizer que acabo de adquirir mais um escritor preferido.

A situação em que comprei minha edição de “Leste do Éden” (ou, como consta na minha capa, “Vidas Amargas”, por conta do filme originado a partir do romance) foi bastante estranha. Estava eu no sebo, revirando livros e mais livros como sempre faço e gosto de fazer, a procura de alguma coisa interessante, mas sem achar nada que valesse a pena. Então pensei: ‘quer saber? Vou escolher o maior livro que tiver nessa estante, pelo preço mais barato’. Puxei o livro – um calhamaço de 600 e poucas páginas – e li o primeiro parágrafo. Um saco, logo pensei. No começo, John Steinbeck se preocupa em descrever minuciosamente toda a região das Salinas, onde o romance tomará lugar. Não desisti: avancei na leitura e, quando percebi, já estava acompanhando as desventuras das famílias Trask e Hamilton pelas paisagens áridas e empobrecidas da região.

John Steinbeck não nega suas raízes. O livro – considerado pelo próprio autor como seu melhor trabalho – possui um toque autobiográfico bastante evidente. Nascido e criado na região que descreve tão bem logo aos primeiros parágrafos, o autor consegue transpor para o papel tudo aquilo que, acredito, ele observava, sentia, cheirava. O narrador é um tipo de personagem onisciente, descendente da família dos Hamiltons, e me pergunto se o próprio Steinbeck não estaria contando um pouco de sua própria história.

O livro começa mostrando a chegada e a instalação de duas famílias bastante diferentes na região das Salinas, nos Estados Unidos. A primeira tem como patriarca Sam Hamilton, um homem bom, obcecado por invenções e patentes. Sam passa o dia inteiro inventando mecanismos para ajudar os homens da região, criando poços, dando de comer aos animais e procurando sempre atender a todos os habitantes da região da melhor forma possível, esquecendo-se de sua própria família e de si mesmo.

A segunda família tem como protagonistas os irmãos Adam e Charlie Trask. Em uma alusão clara a Caim e Abel – que se repetirá, mais a frente, com os filhos de Adam Trask – os irmãos disputam o amor e a atenção do pai, um veterano de guerra linha dura que acredita mais no poder de sua bengala do que no poder das palavras.

Há, ainda, uma terceira personagem fundamental para o desenvolvimento da história: Cathy Ames. Cathy (ou Kate, mais para frente) talvez seja uma das melhores personagens construídas ao longo de todo o romance. Ouso dizer que foi uma das vilãs que mais aprendi a admirar na literatura que já li. Fria, cruel e paciente, Kate é o tipo de vilã que deixaria Darth Vader parecer uma menininha indefesa de dez anos de idade. Dificilmente alguém conseguirá se manter impassível frente às atitudes da personagem – que, apesar das vilanias e da postura falsamente santa, possui uma das mentes mais cruéis e absurdamente loucas do mundo.

Um dos pontos mais interessantes do livro é a sua forma de construção. Ele não possui muitas descrições – excetuando-se, é claro, as longas e cansativas descrições de paisagens que vez ou outra pipocam no texto –, sobretudo acerca dos sentimentos dos personagens. E isso é fascinante. O narrador não precisa dizer alguma coisa do tipo ‘ele olhou para ela com um olhar raivoso’, pois os próprios diálogos conseguem passar essa mensagem. Diálogos sobre diálogos, o leitor consegue perceber a intenção do autor em colocar ali, naquelas poucas – e aparentemente vazias – frases, toda a carga emocional que caracterizará as cenas e os seus participantes.

Não há como definir uma sinopse para um tipo de livro como esse. É uma história majestosa e grandiosa, que cobre cerca de cinquenta anos (ou mais, estou chutando um período estimado) da história de duas famílias e a forma como elas se entrelaçam. Seus dramas, frustrações, desejos, anseios e alegrias. Uma aula para quem deseja escrever alguma coisa; horas e mais horas certas de distração, reflexão e literal viagem para o mundo de Steinbeck para aqueles que apenas desejam ler o livro no ônibus ou antes de dormir.

Uma coisa é certa: eu simplesmente me fascinei com a narrativa de Steinbeck.